quinta-feira, 9 de dezembro de 2010

Experiência na Antártica - primeira parte (Chile, esboço de relação solos-vegetação no sopé do Volcán Antuco)

Participei da OPERANTAR XVIII - operação antártica de 2009/2010 do Programa Antártico Brasileiro (PROANTAR), e pretendo ao longo deste e dos próximos posts dar uma idéia de como foi a a ida e a estadia por lá, bem como do tipo de trabalho que desenvolvemos.

Fui como pesquisador, parte do meu doutorado está sendo lá, participante do  Núcleo de Pesquisas Antárticas da Universidade Federal de Viçosa (TERRANTAR), este coordenado pelo professor Carlos E. G. E. Schaefer do Departamento de Solos.

Existem vários outros projetos brasileiros de pesquisas na Antártica, relacionados à arqueologia, climatologia, glaciologia, ornitologia, dentre outros, o nosso projeto é relacionado aos ecossistemas terrestres e envolve especialmente gênese e mapeamento dos solos na Antártica Marítima, bem como estudos relacionados à interação entre solos, vegetais e microrganismos.

Muito comum encontrar publicações se referindo ao Continente Antártico como "terra dos superlativos", pois é o continente mais frio, mais inóspito, com maior média de altitude, com maiores médias de velocidades de ventos, mais desconhecido... 

Possivelmente, é também o continente mais sensível às interferências antrópicas e às mudanças climáticas globais (não necessariamente ambas são correlacionadas), o que justifica o constante monitoramento de seus vários ecossistemas por meio das pesquisas científicas desenvolvidas lá, onde cada input ou output de substâncias e de grau celsius é determinante para a ocorrência de vários processos, biológicos ou não.


Existem várias estações de pesquisas ao longo do continente, o Brasil possui uma, a Estação Antártica Brasileira Comandante Ferraz (EACF), situada na Ilha Rei George, Arquipélogo Shetland do Sul, na Antártica Marítima.


Partimos de Viçosa/MG para Belo Horizonte/MG onde pegamos vôo para o aeroporto internacional de São Paulo/SP, e de lá para Santiago de Chile, depois vôo para Conception e fomos de van para Talcahuano, também no Chile, onde o navio Navio Polar Almirante Maximiano, o H-41 da Marinha do Brasil, estava atracado para reparos, e foi com ele que chegamos na Antártica.


NPo Almirante Maximiano atracado em Talcahuano, Chile.
Leão-marinho e NPo Almirante Maximiano atracado em Talcahuano, Chile,

Ficamos por algum tempo atracados em Talcahuano, o que permitiu explorar e conhecer um pouco dessa parte do Chile, a Região ("Estado") de Biobío.


Região muito bonita, muito interessante e com povo bastante amistoso. Fui com mais quatro colegas para a cidade de Antuco, para conhecer o famoso Volcán Antuco no Parque Nacional Laguna del Laja, já próximo da fronteira com a Argentina.


Chegando em Antuco.
Da estrada vista do Volcán Antuco, face norte.


Antuco na língua dos ameríndios mapuches, que estão dentre os primeiros habitantes dali, significa algo como "água do Sol".


O Volcán Antuco é um vulcão jovem e ativo, suas atividades iniciaram no final do Pleistoceno (há poucos milhares de anos atrás), com uma violenta explosão dando origem ao Antuco 1, mais recentemente, já no Holoceno (menos de 11.000 anos) outras violentas explosões soterraram o antigo cráter ("boca" do vulcão) criando o atual que vocês estão vendo nas fotos, o Antuco 2. Reparem no seu formato cônico quase perfeito, demonstrando que ao longo do pouco tempo de sua existência não foi erodido o suficiente para diminuir em altura e ter seu cume aplainado.


Ivan, Cleverson e eu, ao fundo face norte do Volcán Antuco. 









Cume na face sul do Volcán Antuco ao fundo.















Algo interessante pode ser visto nas fotos acima, onde duas faces distintas do mesmo vulcão proporcionam um visual diferente. A face norte recebe mais energia do Sol ao longo do ano e, nesta época, no auge do verão - mês de janeiro, estava quase que completamente sem neve, já na face sul mais se via neve em relação aos sedimentos escuros que constituem a borda da cratera.


Na origem do Antuco 2 o Río de La Laja foi represado pelos materiais expelidos nas violentas explosões, formando assim um imenso lago no sopé do vulcão.

Trecho do lago formado pelo represamento do Río de La Laja.

Trecho do lago formado pelo represamento do Río de La Laja.






























O Volcán Antuco ganhou espaço na mídia há algum tempo, em 2005, com a chamada Tragédia de Antuco, quando 45 soldados chilenos morreram de frio marchando sobre uma intensa nevasca sob o comando de superiores negligentes, vê-se cruzes e placas de homenagens a esses ao longo das vias do parque no sopé do vulcão.


Parece que, basicamente, o comandante mandou os soldados marcharem sem roupas apropriadas para uma nevasca em curso, porém a nevasca ficou mais intensa, a T diminuiu e os soldados não suportaram. A meu ver este é um ótimo exemplo de que quem ocupa os cargos de chefia não necessariamente é o mais competente, ou é competente, para isso, e que não se deve seguir segamente as ordens que nos são dadas, algumas vezes o nosso sucesso ou a nossa sobrevivência pode depender da nossa própria análise ,já que o posto e/ou o status não necessariamente dizem algo, porque o QI ("quem indica") é que aloca boa parte dos indivíduos na maior parte das chefias da nossa sociedade, o que se dá em detrimento do mérito, e pode ter consequências drásticas.


Homenagens às vítimas da Tragédia de Antuco no sopé do vulcão.


Algo muito bonito e que também chama bastante atenção no parque é a Sierra Velluda.




Ao fundo Sierra Velluda, no Parque Nacional Laguna del Laja, Chile.

Sierra Velluda e uma das nascentes do Río de La Laja.
















































Quanto à vegetação, nas bordas do parque ou em alguns trechos dentro com grande estabilidade de terreno, e de menores estresses hídricos por causa de solos mais desenvolvidos, que retem mais água, ocorrem as florestas, nos trechos de maior aridez e onde aparentemente os substratos são mais estáveis (não o suficiente para floresta) e mais finos (com maior potencial de retenção de água) desenvolvem-se espécies de pequeno porte, essas de ciclo de vida perene ou bianual, nas áreas onde os distúrbios são mais intensos a estratégia melhor é ter ciclo de vida curto e ser de pequeno porte, assim dominam as herbáceas anuais.


Geralmente indivíduos da família Crassulaceae, ou de outras famílias bastante próximas, ocorrem sozinhos e espaçados, colonizando substratos mais grosseiros, ambientes de grande estresse hídrico e luminoso. Uma adaptação crucial para este grupo de plantas estabelecerem-se nessas condições é seu metabolismo fotossintético do tipo metabolismo ácido das crassuláceas (MAC ou CAM), que permite grande economia de água as custas de limitada produção de biomassa, geralmente ocorrendo onde somente elas conseguem sobreviver, assim, não tendo que competirem por luz com outras plantas que crescem bem mais rápido e atingem portes mais avantajados.

Crassulácea tolerando estresse hídrico e luminoso no sopé do Volcán Antuco.

Fragmentos de tufos vulcânicos na granulometria que predomina na maior parte da área no sopé do Volcán Antuco.































Asteraceas bianuais dominam áreas relativamente mais deturpadas (superfícies instáveis) do que as florestas e as crassulaceas, áreas de substratos constituídos de sedimentos mais finos, porém ainda em menor proporção aos sedimentos mais grosseiros, portanto, há ainda grande estresse hídrico, ervas de outras famílias ocupam ambientes similares, inclusive fendas de rochas que conferem alguma proteção às raízes, mas limitam o crescimento. 


Como em qualquer ambiente estressante a vegetação tende a formar ilhas, uma espécie de sinergismo entre cada indivíduo vegetal formando microclimas menos estressantes e substratos mais ricos em matérias orgânicas, ao mesmo tempo que as espécies são zoneadas em cada ilha, as de porte maior, portanto melhores competidoras por luz, ficam mais confortáveis no centro das ilhas, e as menos competitivas, as menores, nas bordas.
Ilhas de vegetação em ambiente deturpado e estressante no sopé do Volcán Antuco.
Asteraceas nas fendas de rochas vulcânicas ígneas.
As ervas como gramíneas e pequenos arbustos anuais já dominam o vales associado aos corpos d'água, vi nas margens da própria Laguna del Laja e também nas margens de um dos afluentes que formam o Río de La Laja, ambientes menos estressantes em termos hídricos, porém, com inevitáveis e intensos distúrbios anuais devido às inundações.

Riacho formado pelo degelo na superfície do Volcán Antuco e da Sierra Velluda.
Vale onde passa o riacho formado pelo degelo na superfície do Volcán Antuco e da Sierra Velluda.

Abaixo uma amostra do cenário dos Saltos del Laja, no meio do caminho entre Tacahuano e Antuco.
Saltos del Laja, Río de La Laja


Saltos del Laja, Río de La Laja.
Saltos del Laja, Río de La Laja.
COmércio em Saltos del Laja, Río de La Laja.
Talcauhano, Saltos del Laja e Antuco.
 Bom, alguns dias depois deste passeio em Antuco zarpamos rumo à Antártica, passando pelos belos canais chilenos:
Vista dos canais chilenos pela janela do passadiço do Npo Almirante Maximiano.

Vista dos canais chilenos
Vista dos canais chilenos.

Depois de cerca de 3 dias pelos canais chilenos chegamos na simpática Puerto Williams, o vilarelo mais meridional do planeta:
Vista de Puerto Williams a partir de seu porto.
 Ficamos atracados no porto de Puerto Williams por um dia até um ciclone no sul do Pacífico se dissipar, e em seguida seguimos em linha reta para Antártica, passando pela temida Passagem do Drake, um dos trechos marítimos mais temidos do mundo, dadas suas condições metereológicas predominantemente adversas, fica na junção do Atlântico Sul com o Pacífico Sul. Famosa inclusive por causar grandes sustos e destruições de embarcações.


Felizmente o Drake estava calmo, suas águas eram um verdadeiro espelho e a travessia que poderia durar 8 dias durou menos de 4.
Entardecer na Passagem do Drake e proa do NPo Almirante Maximiano.

Passagem do Drake vista pela popa do NPo Almirante Maximiano, petréis sobrevoando as águas agitadas pela hélice do navio.
 Já mais próximo da Antártica os primeiros icebergs foram surgindo, cenário extremamente novo para mim e outros colegas.
Próximo da Antártica passando pelos primeiros icebergs.
 E já quase de noite chegamos na Antártica. 
Ilha Rei George, Antártica.
Pernoitamos em frente à EACF, abaixo foto dela ao longe, logo ao amanhecer:
EACF vista do NPo Almirante Maximiano.

Continua...