terça-feira, 28 de abril de 2009

Enxurrada na calçada e preço de terras

Agora, após as intensas e frequentes chuvas do último verão, notamos as consequências dessas na erosão ao longo da paisagem.

 

A erosão é um processo de perda de solo que consiste basicamente em desagregação, transporte, remoção e acúmulo de constituintes dos solos.

 

Nas fotos abaixo estão visíveis os padrões de deposições diferenciadas de materiais de solos erodidos e transportadas até acumularem-se nesta baixada, onde os grãos de areia (faixa mais clara na borda) só foram transportados quando a enxurrada era mais forte. A areia é a constituinte da fração grosseira do solo, aqui no caso composta basicamente de mineral quartzo que é bastante denso (densidade 2,6 g/dm3) e, portanto é transportado somente por enxurradas mais fortes.

 

O material mais avermelhado é mais fino, é argiloso, e forma uma camada mais espessa, pois continuou a ser transportado e depositado mesmo quando as águas de enxurradas ficaram relativamente mais fracas. 












Por um lado penso a natureza  com uma “mania” um tanto quanto conservadora, pois retira os semelhantes de vários pontos e os agrupa em um outro local em comum, que seja mais estável energeticamente para os constituintes com propriedades semelhantes (densidade, por exemplo), é assim com as bacias sedimentares de um modo geral, bacias de acúmulo do passado de onde hoje extraímos rochas sedimentares como fosfatos naturais, calcários e rochas de onde se extraem o KCl utilizados como insumos na agricultura, além de petróleo e minério de ferro.

 

A seguir várias etapas do fendilhamento na superfície dos solos:

 

1- Pelo movimento browniano os colóides representados pelas argilas mais finas ficam em suspensão na poça d'água, e são esses colóides que aliados à matéria orgânicasão os constituintes mais ativos dos, ou seja, os constituintes com maiores cargas específicas (quantidade de carga por unidade de massa,  ou por unidade de volume) e conseqüentemente os grandes responsáveis pela CTC do solo. Dentro das poças mais profundas que são as últimas a secarem notamos a água bastante barrenta, devido à presença de argilas finas que se concentraram ali naquela água mais calma. É como que elas tivessem sido selecionadas para estarem ali:













2- Na medida em que as poças de água vão secando as camadas de água que separam os colóides vão diminuindo, e proporcionalmente os colóides vão ficando mais próximos e vão se encaixando melhor uns aos outros:












3-Quando já bem mais seco vemos o que se assemelha a raspas de chocolates em cima de bolos na confeitaria, devido à grande capacidade de contração e expansão dessas argilas mais ativas. Mais ativas porque são menores e com maior densidade de cargas elétricas nas suas superfícies:












Ainda as "raspas de chocolate" normalmente estão vergadas para cima, justamente pelo fato de ser a superfície exposta ao Sol que seca primeiro, ajuntando as argilas mais rentemente também primeiro, fazendo com que a superfície de cima fique com uma área menor do que a de baixo que no caso está mais úmida, ou seja, envergam-se para cima porque a superfície de cima contrai primeiro que a de baixo. No caso das fotos acima havia uma espessa camada de argila abaixo da superfície fendilhada, mas quando a poça de acúmulo é mais rasa é possível notar as camadas, em uma espécie de micro-estratiografia, onde a coisa começa com a areia grossa embaixo de tudo (a que chegou ali quando a água era mais forte), passando para areia média e areia fina, silte, argila e argila ainda mais fina mais na superfície, está última quando só resta uma poça.

 

 

Coisas deste tipo ajudam a entender o surgimento de cordilheiras como a Cordilheira do Espinhaço, quando Minas Gerais tinha praia, águas com forças para trazer uma imensa quantidade de areia acumulando-a. Agora transcrevo um trecho que já havia escrito no Orquidofilia e Orquidologia sobre a Serra do Cipó (Serra do Cipó I): 

 

"... Os amigos Elton e Ítalo Rocha (também do Geófagos) já postaram algo sobre a área em questão, para verem seus posts cliquem nos links: Gradientes de solo e vegetação nas partes elevadas da Serra do CipóEcologia de paisagens e a Serra do CipóPedologia, ciência histórica IIO caminho das plantas e Fui à praia.

 

A Serra do Cipó é a porção mais ao Sul da Cordilheira do Espinhaço, esta por sua vez se estende até o norte do Estado da Bahia. Na Cordilheira predominam os quartizitos, que são rochas de origem metamórfica, formadas "basicamente" pelo tratamento de altas pressões e altas temperaturas que os arenitos sofreram. E os arenitos por sua vez formaram-se a partir da cimentação dos grãos de areia. Costumo brincar que com mais "5 min geológicos" esses quartzitos seriam vidros, exageros a parte...

 

E a areia, da praia, como disse o Ítalo em seu post Fui à praia, muito provavelmente havia um mar ali, no Pré-cambriano, (período compreendido entre 4,5 bilhões e 540 milhões de anos atrás), ou ao menos cursos d'água com bastante força para ter transportado grãos de areia de quartzo que são minerais bastante densos.

 

Um mar formado a partir da formação de um rifte, que é o aprofundamento do terreno concomitante ao afastamento de suas bordas (grosso modo), o Rifte Espinhaço, a partir daí para este imenso rifte se transformar no destino principal das águas drenadas nas intermediações provavelmente foi um "pulo", de poucas eras geológicas.

 

Este afastamento seria devido ao tectonismo de placas, a América do Sul desprendendo e se distanciando do Continente Africano.

 

Quando os continentes se reencontraram, aquela imensa falha (zona frágil) foi espremida e soergueu, o que metaformizou os arenitos originando então os quartzitos, em um processo de milhões de anos. 

 

Já repararam que o Itatiaia, Serra do Brigadeiro e o Caparaó possuem uma tendência de se estenderem na direção Norte - Sul??? Coincidência?!..."














E ao sul do Espinhaço temos o Quadrilátero Ferrífero com litologia predominante de quartizito (como no Espinhaço) e de outras rochas de onde se extraem o ferro. Os minérios de ferro chegaram e acumularam ali por águas mais fracas, um ambiente mais lacustre, no qual basicamente as argilas (lamas) são movimentadas, e secando a água essas argilas se acumularam na "poça".

 

Bom, coisas deste tipo também explicam o sucesso da agricultura do Egito Antigo no Delta do Rio Nilo (Baixo Rio Nilo), e não no Alto Rio Nilo ou Médio Rio Nilo, ou seja, justamente onde era mais largo e a superfície de acúmulo para as argilas finas e mais reativas contendo mais nutrientes minerais aderidos às suas superfícies era maior, com isso a área agricutável também era maior. A erosão levou pro Nilo e o Nilo acumulou na baixada, onde era mais largo e por isso a vasão do rio ficava mais diluída, mais fraca, tornando propício o acúmulo de maios proporção de argila ali.

 

Abaixo foto tirada em Barra do Guaicuí, Guaicuí/MG, onde o Rio das Velhas encontra o Rio São Francisco, repare como a água é mais calma e, na superfície de solo exposto na sua margem, o fendilhamento por causa das argilas trazidas até ali por águas calmas: 




Agora um trecho do "Velho Chico" na cidade de Pirapora/MG e Buritizeiro/MG (é só atravessar a ponte de uma à outra). "Pirapora" no tupi quer dizer "salto de peixe", pois era o que mais se via na época de piracema nas cachoeiras deste trecho do Rio São Francisco de águas agitadas. Neste trecho do rio formam-se extensas praias de areia grossa na época da seca ao longo de suas margens:




Pirapora/MG não dista 20 km de Guaicuí/MG, e moral da história: os solos da beirada deste trecho do Rio São Francisco são menos férteis justamente pela maior presença de areia trazida pelas águas do "rio mais forte", por isso a priori suas terras seriam mais baratas do que as das margens dos Rio das Velhas, que está a menos de 20 km dali. 

 

Outra moral da história: regiões próximas, solos diferentes, vegetação de mata ciliar diferente, biodiversidade diferente... Eu aposto no ambiente de solos menos férteis como que, ao menos antes da intensa antropização, como tendo maior diversidade e endemismo de espécies, porque penso que são nesses ambientes que o potencial genético dos indivíduos é mais cobrado, e eles ficam mais especializados, e também é onde os impactos ambientais decorrentes das atividades humanas são maiores, porque o ritmo da natureza ali é mais devagar, e sua capacidade de restauração também (algo escrito clicando aqui).

6 comentários:

msg disse...

Olá,Marcus

O que aqui vai de erosão,um desastre,um flagelo,onde ela ocorra. Mas o mal de alguns,ou muitos,é o bem de outros. Eu que o diga,que sou de uma região ribeirinha,onde nateiros abundam. Em menino,o calçado que estraguei a pisar as lamas deixadas pelas enchentes,à cata de algum "tesouro".
Mais tarde,já homemzinho,em dois anos de cartografia de solos,o que eu registei, em fotografia aérea, de solos delgados,muitos no "osso",sobretudo,em zonas xistosas.
Um desastre que eu imagino nalguma regiões aí desse Grande Brasil,e de que o Marcus dá conta,bem metido na matéria. Pode ser que deixadas as terras a mato por abandono delas, que nalguns locais as coisas melhorem. Noutras será o contrário,uma fatalidade,que as pessoas têm de comer,e cada vez há mais bocas a contentar.Em parte, o que salva é a casa de vegetação,como vocês aí dizem,com terra protegida,com hidropónica ou aeropónica. O Ítalo acertou em cheio,pois o urbanismo não pára. As pessoas vêm lá dos interiores,onde "nada" acontece,e aglomeram-se em grandes metrópoles. Para as alimentar,o campo está longe,dando espaço para a "agricultura" de ao pé da porta. Mas já me estava a afastar da erosão,ou talvez não,que tudo tem um nexo de ligação.
Desculpe,Marcus,esta aparente deriva. Saúde,e teime nesse pendor geomorlógico de que tanto parece gostar.

Marcus V. Locatelli disse...

Manuel é muita satisfação postar algo que lhe traga sentimentos, bons sentimentos, como lembranças da sua infância. Também tenho nas lembranças de minha infância coisas relacionadas a solos.
Erosão é um processo de renovação também, e o mundo sempre conviveu com ela, e várias civilizações já tiraram bom proveito dela, mesmo que indiretamente.
Obrigado pelo incentivo.
Abraço

msg disse...

Marcus

Como aqui se diz,os assuntos são como às cerejas,pega-se num,vêm logo outros. Pois é,todas as moedas têm duas faces. E a moeda-erosão tem o seu lado feliz. Que o diga o Egipto das margens do Nilo,o Iraque das margens Tigre e do Eufrates,as férteis lezirias aqui do Tejo,etc.,etc..,como o Marcus insinuou.
Para a controlar, há,como sabe,modos diversos,em que se incluem o terraceamento(a região produtora do afamado vinho do Porto é um notável exemplo disso),as lavouras em curva de nível,também,de algum modo,o "shift cultivation",o "no-tillage".
Que o seu pendor geomorfológico,e outros,no âmbito do solo,esse manancial de assuntos vários(um caso seriíssimo este solo,que nos coube,com tantas frentes,físicas,químicas,
biológicas,a solicitar um permanente desafio).
Mais uma vez as minhas desculpas por este continuado bater de porta,e os desejos de muito boa saúde e muito bom trabalho.

ARG disse...

Marcus

Para ilustrar a erosão,aqui lhe deixo um continho dos meus.
http://entresilvasevalados.blogspot.com/2009/04/o-plano.html

Desculpe,mas são efeitos da idade. Um abraço.

CACHOPA disse...

Fala Marcus!

Sou estudante de agronomia na UFRB (Universidade Federal do Recôncavo da Bahia, antiga Escola de Agronomia da UFBA). Conheci seu blog por meio de uma eventual pesquisa na internet sobre um tema das ciências do Solo.
Fiquei feliz por existirem, pessoas da nossa área de estudo, compartilhando informação nas novas mídias (leia-se internet).
Acho interesse a contextualização dos conhecimentos de solo, para explicar situações do cotidiano; como você fez neste post.

Parabéns pela iniciativa e boa sorte!

Anônimo disse...

Caro Maurcus,

Parabéns pelo blog, a idéia é ótima e suas postagens vêm sendo muito bem colocadas.
Fiz um comentário sobre ele no meu (http://navegantesdeiapetus.wordpress.com/). Por favor entre em contato comigo se isso não for de seu agrado.

Guilherme Gaudereto