sábado, 25 de julho de 2009

"Cidadezinha Qualquer" - relação solo-cotidiano


“Casas entre bananeiras
mulheres entre laranjeiras
pomar amor cantar

Um homem vai devagar.
Um cachorro vai devagar.
Um burro vai devagar.

Devagar . . . as janelas se olham.

Eta vida besta, meu Deus.”

(Cidadezinha Qualquer- Carlos Drummond de Andrade).


Faz muito tempo que eu ando pensando neste assunto, anotando mentalmente algumas idéias para postar agora (admito que numa altura dessa muitas já esqueci), e este post é sobre as diferentes características de solos influenciando no cotidiano das pessoas, bem como do ambiente no qual se insere.


Bom, talvez estejam se perguntando o porquê da citação do poema de Carlos Drummond de Andrade, então eu peço um pouco de calma que a gente chega lá.


Carlos Drummond de Andrade é um poeta brasileiro modernista, que além de poesias produziu muitas crônicas, livros infantis e contos, um das características de suas obras é a evocação de sua terra natal (“a saudade da pátria imaginária”), no caso, o município mineiro de Itabira.


Itabira localiza-se a cerca de 100 km de Belo Horizonte, e a principal atividade econômica do município é a extração de minério de ferro.


O município insere-se na região do Quadrilátero Ferrífero, onde a natureza por milhões de anos tratou de concentrar o elemento Fe em detrimento da riqueza de outros elementos químicos.


O minério é extraído a partir de rochas como o itabirito (foto abaixo), e este tipo de rocha, bem como algumas outras também bastante ricas em Fe, é o principal material de origem dos solos da região. Algo que já escrevi em “Habitats de orquídeas no Quadrilátero Ferrífero 1/2” .


Sendo os solos formados a partir do intemperismo (físico e químico) das rochas ao longo do tempo, sob influência direta de clima e organismos vivos, no geral, solos jovens (pouco profundos) desenvolvidos de rochas ricas em nutrientes como o granito, tendem a serem férteis quimicamente, inclusive, muitas vezes nas regiões semi-áridas encontramos até solos salinos desenvolvidos de granito, e a tendência é que no desenvolvimento do mesmo ele vá se tornando cada vez mais pobre pela perda gradual de nutrientes, em decorrência da lavagem e remoção gradual de seus sais. No entanto, o inverso não ocorre, solos jovens que já nascem pobres, não ficam ricos, e vegetação se sustenta pela ciclagem biogeoquímica de nutrientes.


Assim os solos da região do Quadrilátero são predominantemente pobres em elementos nutrientes às plantas, como Ca, P, Mg e K (que estão dentre os mais requeridos pelos seres vivos), o que se deve pelo fato do próprio material de origem já ser pobre, porém ricos em Fe e alguns outros metais pesados.


O Quadrilátero é uma das regiões brasileiras cujo histórico de ocupação é dos mais antigos, o que se deu devido ao ciclo do ouro por volta do século XVII, e evidentemente essa exploração se deu a partir de nenhuma prática conservacionista e medidas mitigadoras dos impactos ambientais, e as cicatrizes dessa atividade pretérita, e não raro acompanhada dos vestígios das atividades mais recentes, ainda vemos nas encostas erodidas ao longo da paisagem do Quadrilátero.

Devido aos solos de difícil manejo, a região tem baixíssima aptidão para o uso agrícola, muitas vezes dificultando até mesmo a “agricultura de fundo de quintal”, no entanto, existem algumas exceções de áreas relativamente melhores para atividades agrícolas.


Itabira é um dos municípios mais antigos do Quadrilátero, leia-se onde impactos antrópicos existem já há mais tempo, e foi neste cenário de baixa velocidade de restauração natural que Carlos Drummond de Andrade cresceu.


Ambientes recém desmatados que sejam ricos em nutrientes minerais possuem mais energia, mais confusão, um verdadeiro caos até se estabilizar na medida em que a sucessão ecológica se desenvolve, até atingir a situação clímax (no auge da biodiversidade), relativamente mais equilibradas. (Sugestão: “Nesta mata tem orquídea?”).


Em regiões de pobreza química como o Quadrilátero as coisas tendem a acontecerem mais devagar, a atividade microbiana é mais lenta, as plantas crescem menos e em um ritmo mais lento, e demoram mais para cobrirem a superfície de um solo exposto, e há menos animais porque não tem “pasto” o suficiente.


Imagino que mesmo que para aqueles que não pensam o tempo todo em “solos” algo relacionado ao ritmo do cenário seja percebido, penso também que o ritmo de certa forma contagiante do Quadrilátero Ferrífero tenha inspirado Carlos Drummond de Andrade.

"Alguns anos vivi em Itabira/Principalmente nasci em Itabira/Por isso sou triste, orgulhoso: de ferro/Noventa por cento ferro nas calçadas/Oitenta por cento ferro nas almas...". (trecho de Confidência do Itabirano - Carlos Drummond de Andrade).


Talvez esta percepção seja oriunda dos nossos instintos, como já disse Darwin: “penso que o homem apesar de suas nobres virtudes, inegavelmente ainda guarda resquícios de sua humilde origem”, algo como um alerta: “aqui vão mais devagar”. Penso que Darwin tenha sido irônico ao fazer esta afirmação ao ser alvo de deboche pela comunidade científica na época em que expôs suas idéias, mas vale o recado.


E como nossa principal vantagem evolutiva diante aos outros animais “da savana” é o nosso “polegar opositor”, imagino que um sinal de que “o polegar” ultrapassa a média é esta capacidade de melhor observar fatos e tirar conclusões, e ainda mais abstrair-se a partir dessas, indo além, como os poemas do nossa poeta gênio já muito citado neste post.


Tem um tempo que escrevi o post “Arte, ciência, ecologia e orquidofilia”, onde manifesto minha opinião a respeito das interfaces artes (de quaisquer espécie) com ciência:


“...Algumas manifestações artísticas do gênio humano perduram não só décadas mas também séculos, tais como as pinturas de da Vinci, Michelangelo e Rafael, músicas de Beethoven, Chopin, Mozart e Ravel, teatros de Shakespeare, e textos de Cervantes e Camões.


Ambas manifestações artísticas são harmoniosas aos sentidos dos apreciadores que, de maneira consciente ou não, reconhecem nelas algumas relações com as leis da natureza que regem o Universo.


Um bom exemplo de como a ciência se bem empregada pode gerar coisas que são não somente úteis, como também belas de serem vistas, é o polímata renascentista Leonardo da Vinci que estudando a anatomia dos olhos humanos, órgãos que lhe proporcionavam peculiar admiração (“os olhos são as janelas da alma”- da Vinci), e sendo impulsionado a buscar esclarecimentos também nos princípios da física ótica para entender melhor o funcionamento destes, o que proporcionou que não só desenvolvesse protótipos de alguns modelos de telescópios e microscópios que temos hoje em dia, como também, provavelmente, foi determinante para que o mesmo pintasse obras de arte com criteriosas combinações dos nuances de luminosidade dispersa ou incidente nos objetos que compunham os cenários, criando assim, obras de arte com componentes harmoniosamente dosados e agradáveis de serem vistos. Teria ele tido o dom pelas artes ajudado pelo uso de critérios interdisciplinares cientificamente embasados? Existe essa coisa de "dom" ou tudo é uma questão, consciente ou não, de preparo?


Gosto de pensar que Leonardo da Vinci não nasceu predestinado a ser o Leonardo da Vinci, o ambiente no qual viveu e ele o fizeram Leonardo da Vinci. Sua curiosidade nata e determinação em conseguir explicações, aliada às oportunidades, fizeram dele um gênio, tido como o primeiro cientista moderno cerca de 500 anos atrás. Suas pinturas talvez tenham sido válvulas de escape de seu vasto conhecimento contido em um órgão de certa forma limitado, seu cérebro humano, que precisava aliviar-se sob o risco de "explodir" no sentido de o deixar maluco, inquieto, sufocado... ("Gênio é 1 % inspiração e 99 % transpiração"-Thomas Edson)...”


Algumas sugestões, sobre Carlos Drummond de Andrade:

-http://www.carlosdrummond.com.br/;

-http://www.almirdefreitas.com/almir/Carlos_Drummond_de_Andrade.html;

-http://www.usinadeletras.com.br/exibelotexto.php?cod=1962&cat=Ensaios;

-http://www.culturabrasil.pro.br/cda.htm#itabirano.