segunda-feira, 20 de abril de 2009

Cerâmicas de Itaobim/MG

Durante uma das viagens da disciplina de Pedogeomorfologia, ministrada à pós-graduação (mestrado e doutorado) pelo professor Carlos Schaefer, do Departamento de Solos da UFV, percorremos um bom trecho do Vale do Jequitinhonha, Nordeste do Estado de Minas Gerais. Região esta com um clima predominante de semi-árido.


É a região  mais pobre de Minas Gerais, caracterizando-se pelo baixo desenvolvimento econômico e social. Dentre as 12 mesorregiôes de Minas Gerais, a do Vale do Jequitinhonha é a de menor IDH, 2º menor PIB e a 4ª maior em área, aliada a isso uma relativa baixa densidade populacional, nexte contexto há muitos trechos sem asfaltamento, tendo sido uma experiência memorável percorrer quase 100 km de estreda de terra, no auge da seca na região, mês de novembro, em um microônibus com os vidros fechados por causa da poeira de argila fina (daquelas que mais impreguinam) - E como me dá saudades disso!!!


Por um trecho ao longo da estrada notou-se vegetação de Caatinga em solos naturalmente mais férteis, desenvolvidos de clorita-xisto, vegetação de carrasco sobre solos desenvolvidos de arenitos, bem como Matas Secas (fitofisionomia do Bioma Mata Atlântica) onde o solo era naturalmente menos fértil (Latossolos em especial).


Este post é sobre uma das questões que o prof. colocou na prova: "18 - Comente sobre sua percepção da parada que fizemos para comprar a cerâmica em Itaobim.(máximo 10 linhas)". - Nessas disciplinas em que são abordados muitos aspectos, muitas interfaces, é de se entender o lado do prof. em delimitar a quantidade de linhas para que não saiam "livros", ajudando a manter a objetividade do texto.


Parte de minha resposta: "Escolhi objetos que considerei mais característicos da região, para levar de lembrança. A atividade ceramista artesanal é de grande importância econômica na região, onde quando chove se pratica agricultura de subsistência, e na estiagem não resta muita opção. A cerâmica não foi muito bem assada, o que é de certo modo vantajoso, pois devido a dificuldade de desidratação das faces das caulinitas, argilas estas predominantes nos Planossolos e Gleissolos dos quais se extraem o barro para a cerâmica na região, precisaria consumir mais lenha de Caatinga para que a cerâmica qpresente-se com um aspecto mais vitrificado. Fiz um teste e verifiquei que a cerâmica realmente absorve muita água, então tem muitos poros, ficando muito tempo desprendendo bolhas de ar quando submersas".


Caulinita é um mineral de argila silicatada, predominantemente ocorrendo em uma forma de placa, placas estas que quando se encaixam face a face (mineral de caulinita a mineral de caulinita) a massa de solo em si apresenta-se bastante coesa, e quanto mais rentes e alinhadas as placas de caulinita é mais difícil (necessário mais força) para retirar a água ou os íons que ficam entre elas.


Hoje, depois de um ano da aquisição de alguns objetos, no dia a dia e no vai e vem das mudanças e arrumação de casa, é nítido o que teria sido óbvio na época do questionário, mas me esqueci de comentar que os trincamentos e/ou quebras nestas são necessariamente nas regiões mais escuras, com maior proporção de matéria orgânica, pontualmente enfraquecendo ainda mais a cerâmica.


Empiricamente certa sensibilidade a respeito das propriedades dos solos vem sendo transmitida desde tempos remotos, um bom exemplo desta é o trabalho do oleiro que, antes de dar a forma desejada aos objetos, usualmente deixa o barro recém coletado “descansar” por um determinado tempo sob insolação direta e, após isso, inicia um trabalho de amassar repetidamente o material argiloso com as mãos, antes de dar a forma final a este. 


O primeiro tratamento faz com que haja a respiração da matéria orgânica do solo pela sua exposição prolongada à atmosfera oxidante e à radiação solar, o segundo tratamento por sua vez serve para estabelecer um nível de organização maior entre as unidades de argilas aluminossilicatas, permitindo um melhor ajuste face a face dos minerais. Ambas medidas aumentam a coesão do material de solo a fim de se obter cerâmicas mais resistentes e com superfícies mais lisas, ou seja, com um melhor acabamento.


Abaixo, fotos de cerâmicas sendo comercializadas na margem de um trecho da BR-116, no perímetro urbano de Itaobim/MG:














E agora, o pôr do Sol da região, "amostra coletada" em Araçuaí/MG: 


5 comentários:

ARG disse...

Caro Marcus

Foi um prazer para mim ler o seu novo post. Fez-me recuar aos tempos de menino,uns tempos de "muito atraso",em que havia,a cada esquina,em vilas e aldeias,um ferrador,um torneiro,um oleiro,uma padaria caseira,uma casa de fazer encenchidos,chouriços,morcelas,
coisas assim. Desses magos,o que mais admirava era o oleiro. Daquelas mãos e daqueles pés,nasciam coisas de espantar.O barro subemetia-se gostosamente,pois de pedaços informes iam surgindo,a pouco e pouco,artigos de muito préstimo,depois do toque da cozedura.
Gostei,também,do seu "para que não saiam livros,ajudando a manter a objectividade".Talvez,por isso,eu aprecie imenso os contos. Escritos curtos,e não lombadas grossas,de que muitos gostam,mas em que a gente se perde. Tal como as anedotas,que se querem curtas.
Desculpe,mas já estava a exagerar. Mais uma vez,os meus agradecimentos,pelas lembranças.
Um abraço.

Marcus V. Locatelli disse...

obrigado pela presença Manuel!
Abraço

msg disse...

Caro Marcus

Acabei de colocar no algures... as suas orquídeas,via Serra do Cipó. Terá sido abuso?
Um abraço,com muitas desculpas.

Marcus V. Locatelli disse...

abuso algum Manuel, é uma honra.
abraço

Marcus V. Locatelli disse...

quis dizer abuso nenhum!!!