terça-feira, 28 de abril de 2009

Enxurrada na calçada e preço de terras

Agora, após as intensas e frequentes chuvas do último verão, notamos as consequências dessas na erosão ao longo da paisagem.

 

A erosão é um processo de perda de solo que consiste basicamente em desagregação, transporte, remoção e acúmulo de constituintes dos solos.

 

Nas fotos abaixo estão visíveis os padrões de deposições diferenciadas de materiais de solos erodidos e transportadas até acumularem-se nesta baixada, onde os grãos de areia (faixa mais clara na borda) só foram transportados quando a enxurrada era mais forte. A areia é a constituinte da fração grosseira do solo, aqui no caso composta basicamente de mineral quartzo que é bastante denso (densidade 2,6 g/dm3) e, portanto é transportado somente por enxurradas mais fortes.

 

O material mais avermelhado é mais fino, é argiloso, e forma uma camada mais espessa, pois continuou a ser transportado e depositado mesmo quando as águas de enxurradas ficaram relativamente mais fracas. 












Por um lado penso a natureza  com uma “mania” um tanto quanto conservadora, pois retira os semelhantes de vários pontos e os agrupa em um outro local em comum, que seja mais estável energeticamente para os constituintes com propriedades semelhantes (densidade, por exemplo), é assim com as bacias sedimentares de um modo geral, bacias de acúmulo do passado de onde hoje extraímos rochas sedimentares como fosfatos naturais, calcários e rochas de onde se extraem o KCl utilizados como insumos na agricultura, além de petróleo e minério de ferro.

 

A seguir várias etapas do fendilhamento na superfície dos solos:

 

1- Pelo movimento browniano os colóides representados pelas argilas mais finas ficam em suspensão na poça d'água, e são esses colóides que aliados à matéria orgânicasão os constituintes mais ativos dos, ou seja, os constituintes com maiores cargas específicas (quantidade de carga por unidade de massa,  ou por unidade de volume) e conseqüentemente os grandes responsáveis pela CTC do solo. Dentro das poças mais profundas que são as últimas a secarem notamos a água bastante barrenta, devido à presença de argilas finas que se concentraram ali naquela água mais calma. É como que elas tivessem sido selecionadas para estarem ali:













2- Na medida em que as poças de água vão secando as camadas de água que separam os colóides vão diminuindo, e proporcionalmente os colóides vão ficando mais próximos e vão se encaixando melhor uns aos outros:












3-Quando já bem mais seco vemos o que se assemelha a raspas de chocolates em cima de bolos na confeitaria, devido à grande capacidade de contração e expansão dessas argilas mais ativas. Mais ativas porque são menores e com maior densidade de cargas elétricas nas suas superfícies:












Ainda as "raspas de chocolate" normalmente estão vergadas para cima, justamente pelo fato de ser a superfície exposta ao Sol que seca primeiro, ajuntando as argilas mais rentemente também primeiro, fazendo com que a superfície de cima fique com uma área menor do que a de baixo que no caso está mais úmida, ou seja, envergam-se para cima porque a superfície de cima contrai primeiro que a de baixo. No caso das fotos acima havia uma espessa camada de argila abaixo da superfície fendilhada, mas quando a poça de acúmulo é mais rasa é possível notar as camadas, em uma espécie de micro-estratiografia, onde a coisa começa com a areia grossa embaixo de tudo (a que chegou ali quando a água era mais forte), passando para areia média e areia fina, silte, argila e argila ainda mais fina mais na superfície, está última quando só resta uma poça.

 

 

Coisas deste tipo ajudam a entender o surgimento de cordilheiras como a Cordilheira do Espinhaço, quando Minas Gerais tinha praia, águas com forças para trazer uma imensa quantidade de areia acumulando-a. Agora transcrevo um trecho que já havia escrito no Orquidofilia e Orquidologia sobre a Serra do Cipó (Serra do Cipó I): 

 

"... Os amigos Elton e Ítalo Rocha (também do Geófagos) já postaram algo sobre a área em questão, para verem seus posts cliquem nos links: Gradientes de solo e vegetação nas partes elevadas da Serra do CipóEcologia de paisagens e a Serra do CipóPedologia, ciência histórica IIO caminho das plantas e Fui à praia.

 

A Serra do Cipó é a porção mais ao Sul da Cordilheira do Espinhaço, esta por sua vez se estende até o norte do Estado da Bahia. Na Cordilheira predominam os quartizitos, que são rochas de origem metamórfica, formadas "basicamente" pelo tratamento de altas pressões e altas temperaturas que os arenitos sofreram. E os arenitos por sua vez formaram-se a partir da cimentação dos grãos de areia. Costumo brincar que com mais "5 min geológicos" esses quartzitos seriam vidros, exageros a parte...

 

E a areia, da praia, como disse o Ítalo em seu post Fui à praia, muito provavelmente havia um mar ali, no Pré-cambriano, (período compreendido entre 4,5 bilhões e 540 milhões de anos atrás), ou ao menos cursos d'água com bastante força para ter transportado grãos de areia de quartzo que são minerais bastante densos.

 

Um mar formado a partir da formação de um rifte, que é o aprofundamento do terreno concomitante ao afastamento de suas bordas (grosso modo), o Rifte Espinhaço, a partir daí para este imenso rifte se transformar no destino principal das águas drenadas nas intermediações provavelmente foi um "pulo", de poucas eras geológicas.

 

Este afastamento seria devido ao tectonismo de placas, a América do Sul desprendendo e se distanciando do Continente Africano.

 

Quando os continentes se reencontraram, aquela imensa falha (zona frágil) foi espremida e soergueu, o que metaformizou os arenitos originando então os quartzitos, em um processo de milhões de anos. 

 

Já repararam que o Itatiaia, Serra do Brigadeiro e o Caparaó possuem uma tendência de se estenderem na direção Norte - Sul??? Coincidência?!..."














E ao sul do Espinhaço temos o Quadrilátero Ferrífero com litologia predominante de quartizito (como no Espinhaço) e de outras rochas de onde se extraem o ferro. Os minérios de ferro chegaram e acumularam ali por águas mais fracas, um ambiente mais lacustre, no qual basicamente as argilas (lamas) são movimentadas, e secando a água essas argilas se acumularam na "poça".

 

Bom, coisas deste tipo também explicam o sucesso da agricultura do Egito Antigo no Delta do Rio Nilo (Baixo Rio Nilo), e não no Alto Rio Nilo ou Médio Rio Nilo, ou seja, justamente onde era mais largo e a superfície de acúmulo para as argilas finas e mais reativas contendo mais nutrientes minerais aderidos às suas superfícies era maior, com isso a área agricutável também era maior. A erosão levou pro Nilo e o Nilo acumulou na baixada, onde era mais largo e por isso a vasão do rio ficava mais diluída, mais fraca, tornando propício o acúmulo de maios proporção de argila ali.

 

Abaixo foto tirada em Barra do Guaicuí, Guaicuí/MG, onde o Rio das Velhas encontra o Rio São Francisco, repare como a água é mais calma e, na superfície de solo exposto na sua margem, o fendilhamento por causa das argilas trazidas até ali por águas calmas: 




Agora um trecho do "Velho Chico" na cidade de Pirapora/MG e Buritizeiro/MG (é só atravessar a ponte de uma à outra). "Pirapora" no tupi quer dizer "salto de peixe", pois era o que mais se via na época de piracema nas cachoeiras deste trecho do Rio São Francisco de águas agitadas. Neste trecho do rio formam-se extensas praias de areia grossa na época da seca ao longo de suas margens:




Pirapora/MG não dista 20 km de Guaicuí/MG, e moral da história: os solos da beirada deste trecho do Rio São Francisco são menos férteis justamente pela maior presença de areia trazida pelas águas do "rio mais forte", por isso a priori suas terras seriam mais baratas do que as das margens dos Rio das Velhas, que está a menos de 20 km dali. 

 

Outra moral da história: regiões próximas, solos diferentes, vegetação de mata ciliar diferente, biodiversidade diferente... Eu aposto no ambiente de solos menos férteis como que, ao menos antes da intensa antropização, como tendo maior diversidade e endemismo de espécies, porque penso que são nesses ambientes que o potencial genético dos indivíduos é mais cobrado, e eles ficam mais especializados, e também é onde os impactos ambientais decorrentes das atividades humanas são maiores, porque o ritmo da natureza ali é mais devagar, e sua capacidade de restauração também (algo escrito clicando aqui).

segunda-feira, 20 de abril de 2009

Cerâmicas de Itaobim/MG

Durante uma das viagens da disciplina de Pedogeomorfologia, ministrada à pós-graduação (mestrado e doutorado) pelo professor Carlos Schaefer, do Departamento de Solos da UFV, percorremos um bom trecho do Vale do Jequitinhonha, Nordeste do Estado de Minas Gerais. Região esta com um clima predominante de semi-árido.


É a região  mais pobre de Minas Gerais, caracterizando-se pelo baixo desenvolvimento econômico e social. Dentre as 12 mesorregiôes de Minas Gerais, a do Vale do Jequitinhonha é a de menor IDH, 2º menor PIB e a 4ª maior em área, aliada a isso uma relativa baixa densidade populacional, nexte contexto há muitos trechos sem asfaltamento, tendo sido uma experiência memorável percorrer quase 100 km de estreda de terra, no auge da seca na região, mês de novembro, em um microônibus com os vidros fechados por causa da poeira de argila fina (daquelas que mais impreguinam) - E como me dá saudades disso!!!


Por um trecho ao longo da estrada notou-se vegetação de Caatinga em solos naturalmente mais férteis, desenvolvidos de clorita-xisto, vegetação de carrasco sobre solos desenvolvidos de arenitos, bem como Matas Secas (fitofisionomia do Bioma Mata Atlântica) onde o solo era naturalmente menos fértil (Latossolos em especial).


Este post é sobre uma das questões que o prof. colocou na prova: "18 - Comente sobre sua percepção da parada que fizemos para comprar a cerâmica em Itaobim.(máximo 10 linhas)". - Nessas disciplinas em que são abordados muitos aspectos, muitas interfaces, é de se entender o lado do prof. em delimitar a quantidade de linhas para que não saiam "livros", ajudando a manter a objetividade do texto.


Parte de minha resposta: "Escolhi objetos que considerei mais característicos da região, para levar de lembrança. A atividade ceramista artesanal é de grande importância econômica na região, onde quando chove se pratica agricultura de subsistência, e na estiagem não resta muita opção. A cerâmica não foi muito bem assada, o que é de certo modo vantajoso, pois devido a dificuldade de desidratação das faces das caulinitas, argilas estas predominantes nos Planossolos e Gleissolos dos quais se extraem o barro para a cerâmica na região, precisaria consumir mais lenha de Caatinga para que a cerâmica qpresente-se com um aspecto mais vitrificado. Fiz um teste e verifiquei que a cerâmica realmente absorve muita água, então tem muitos poros, ficando muito tempo desprendendo bolhas de ar quando submersas".


Caulinita é um mineral de argila silicatada, predominantemente ocorrendo em uma forma de placa, placas estas que quando se encaixam face a face (mineral de caulinita a mineral de caulinita) a massa de solo em si apresenta-se bastante coesa, e quanto mais rentes e alinhadas as placas de caulinita é mais difícil (necessário mais força) para retirar a água ou os íons que ficam entre elas.


Hoje, depois de um ano da aquisição de alguns objetos, no dia a dia e no vai e vem das mudanças e arrumação de casa, é nítido o que teria sido óbvio na época do questionário, mas me esqueci de comentar que os trincamentos e/ou quebras nestas são necessariamente nas regiões mais escuras, com maior proporção de matéria orgânica, pontualmente enfraquecendo ainda mais a cerâmica.


Empiricamente certa sensibilidade a respeito das propriedades dos solos vem sendo transmitida desde tempos remotos, um bom exemplo desta é o trabalho do oleiro que, antes de dar a forma desejada aos objetos, usualmente deixa o barro recém coletado “descansar” por um determinado tempo sob insolação direta e, após isso, inicia um trabalho de amassar repetidamente o material argiloso com as mãos, antes de dar a forma final a este. 


O primeiro tratamento faz com que haja a respiração da matéria orgânica do solo pela sua exposição prolongada à atmosfera oxidante e à radiação solar, o segundo tratamento por sua vez serve para estabelecer um nível de organização maior entre as unidades de argilas aluminossilicatas, permitindo um melhor ajuste face a face dos minerais. Ambas medidas aumentam a coesão do material de solo a fim de se obter cerâmicas mais resistentes e com superfícies mais lisas, ou seja, com um melhor acabamento.


Abaixo, fotos de cerâmicas sendo comercializadas na margem de um trecho da BR-116, no perímetro urbano de Itaobim/MG:














E agora, o pôr do Sol da região, "amostra coletada" em Araçuaí/MG: 


sábado, 11 de abril de 2009

Uma conversa de nerds...

No início deste ano tive o prazer de desfrutar da companhia de dois amigos, Elton e Ítalo do Geófagos, em um almoço na propriedade do sogro de um deles, na zona rural de Guaraciaba/MG, Zona da Mata de Minas Gerais.


Como não poderia ser diferente fomos andar pela área, ver uns barrancos, geoformas no horizonte, o máximo possível de detalhes da vegetação e da biota de uma maneira geral.

O Ítalo nos chamou a atenção para uma caixa d'água antiga, de uns 30 anos de construída, feita de alvenaria, onde hoje à sua volta é um cultivo de eucalipto.

O Ítalo comenta "já virou solo!" apontando para para algumas evidências.

"Olha o intemperismo físico aqui!" - alguém apontando para um vegetal superior desenvolvendo-se em uma fresta:

O intemperismo físico consiste basicamente na quebra de um corpo maior em vários outros relativamente menores, uma rocha rolando morro abaixo e se desmanchando em vários pedaços menores no chão, por exemplo, ou ainda uma rocha fraturando-se com o auxílio da pressão radicular de um vegetal superior cuja semente germina e a planta inicialmente desenvolvem-se em uma fratura menor que tenha um mínimo de solo ali já formado.


Quanto menor um corpo maior é a superfície específica deste (área/massa, ou área/volume), e são nas superfícies onde as reações químicas do intemperismo químico acontecem, cujo princípio básico é a alteração de um mineral de rocha ou de solo formados sob condições pretéritas em outros minerais que estejam mais equilibrados, ou estáveis, para as novas condições ambientais que se encontram. 



Talvez seja a hidrólise dos minerais a principal reação de intemperismo químico que ocorra na superfície do planeta, esta muito ajudada pelos ácidos orgânicos advindos da biota, seja por meio de exudação radicular de substâncias pelas plantas ainda vivas, ou pela decomposição de um finado ser vivo ou de parte dele.


Abaixo temos fotos de briófitas utilizando o reboco de cimento já bastante alterado como substrato, formando algo como um milimétrico horizonte A na interface cimento-briófitas:

A caixa d'água de alvenaria como um todo sendo o material de origem de um solo, em uma escala bastante reduzida é verdade, mas temos uma verdadeira sucessão ecológica mesmo que em um "nanocosmos" deste, onde formas de vida mais primitivas vão alterando o meio físico e gradualmente proporcionando condições para que formas de vida mais complexas gradualmente se instalem.


Abaixo foto de biofilme de cianobactérias, seres estes muitas vezes fixadores de N atmosférico, o que incorpora N absorvível pelas plantas no sistema, e dadas suas características de sobreviverem em condições muitas vezes adversas para a maioria das demais formas de vida são bastantes empregados em projetos de Recuperação de Áreas Degradadas em países como o Japão:

Térmitas, considerados engenheiros dos ecossistemas por muitos pedólogos, habitando a estrutura, construindo canais e contribuindo para que cada vez mais esta se pareça com um montículo homogêneo de solo:


Redução do ferro III pela atividade microbiana que em condições de saturação de água (anaerobiose) utilizam este elemento como aceptor final de elétrons, e posterior exportação deste metal já em uma forma (a reduzida forma ferro II),  tal como acontece em solos de baixadas das paisagens, como Gleissolos, o que no caso torna os tijolos ainda mais frágeis e decomponíveis:



O fechamento da conversa foram várias dúvidas, uma delas em especial:


 - "Se aqui em Guaraciaba/MG com menos de 30 anos em uma área antropizada esta caixa d’água de alvenaria já está neste grau de alteração, teriam os vestígios de cidades com edificações mais complexas construídas por povos pré-colombianos que habitaram a Amazônia já virado solo?"


Como exemplo, Machu Pichu, a ‘cidade perdida dos incas, está a mais de 2000 m de altitude, com um clima bem mais adverso ao intemperismo que a Amazônia e Guaraciaba/MG, então mesmo considerando que foi praticamente toda construída de rocha maciça, a biota desenvolve-se mais lentamente ali.


 Abaixo uma foto do aspecto de vegetação nativa tomando conta da cidade quando ela em 1911 foi descoberta pela expedição de Hiram Bingham, e mais abaixo foto do aspecto que possui hoje (respectivamente copiadas daqui e daqui): 





quinta-feira, 9 de abril de 2009

As fertilidades dos solos III

A fertilidade tanto física quanto química pode ser natural ou construída/melhorada.

Geralmente em nossos Latossolos a fertilidade física é naturalmente boa, pois são solos bem drenados, profundos, com uma boa capacidade de armazenarem água ao mesmo tempo que são bem arejados, mas do pondo de vista químico geralmente já estão bastante exauridos em nutrientes, especialmente de bases.

Mas a fertilidade química se constrói com o efeito residual do uso de fertilizantes ao longo do tempo, o que tem acontecido nos Latossolos do Cerrado explorados intensamente para o plantio de arroz, soja e milho, por exemplo, e mais recentemente muito com a integração lavoura-pecuária, onde as forrageiras utilizadas como pastagem para pecuária de corte beneficiam-se dos resíduos de fertilizantes das culturas anuais.

A fertilidade física também se constrói, ou se recupera em solos intensamente cultivados, por meio de práticas como as utilizadas nos sistemas de cultivos mínimos, como a semeadura direta, por contribuírem para diminuirem os tráfegos de maquinários que trazem como consequencias as compactações dos solos.

A principal idéia é a necessidade de se manter um equilíbrio entre a fertilidade física e química, que são quase como antagônicas, sejam elas ocorrendo de maneira natural ou construída.

As fertilidades do solo II.

Simultaneamente, o conjunto de características químicas e físicas de um solo faz com que este seja mais ou menos satisfatório para o desenvolvimento de uma dada espécie vegetal, ou seja, a fertilidade química do solo (disponibilidade de nutrientes) combinada à fertilidade física do solo (porosidade, estruturação e consistência).

 

Entendamos o solo como um sistema trifásico (sólido, líquido e gasoso), onde um dado equilíbrio entre essas três fases é essencial ao desenvolvimento vegetal.

 

A fase sólida conota aos constituintes minerais (minerais de areia, silte e argila) e orgânicos do solo. Na fase líquida temos onde as reações dos solos acontecem, reações de hidrólise de minerais que liberam nutrientes às plantas e, a água como veículo de transporte que leva os nutrientes até as raízes das plantas, por exemplo, e a fase gasosa, que divide temporalmente o volume de poros do solo com a fase líquida, é a atmosfera do solo, o que permite as raízes respirarem.

 

Tecnicamente, a fertilidade química do solo esbarra-se no conceito de solo eutrófico (derivado do grego, “com seu próprio alimento”), que aqui para nossas realidades de trópicos e subtrópicos, com solos que em sua grande maioria experimentaram intensas atividades de intemperismo ao longo do tempo e, portanto, de perdas intensas de nutrientes, são considerados solos férteis aqueles que apresentam caráter denominado de eutrófico, que é saturação por bases (V) ≥ 50 %.

 

A V é definida como sendo igual a {100 x [(Ca2+ + Mg2+ + K+ + Na+)] / {[(Ca2+ + Mg2+ + K+ + Na+) + (H + Al)]}, expressa em porcentagem. (Ca2+ + Mg2+ + K+ + Na+) é a soma de bases (SB), (H + Al) é a acidez potencial, e o denominador da equação para se chegar em V, [(Ca2+ + Mg2+ + K+ + Na+) + (H + Al)], é a capacidade de troca catiônica a pH = 7,00 (CTC pH 7,00 ou T).

 

Tanto a SB, acidez potencial e a T são atualmente expressas em cmolc/dm3 (centimol de carga do nutriente por decímetro cúbico da amostra de solo). Em outras palavras, V (V = 100 x SB / T) indica a porcentagem de cargas eletronegativas dos solos que estão sendo ocupadas com bases (Ca2+ + Mg2+ + K+ + Na+) frente ao potencial todo de cargas eletronegativas que os referidos solos têm em pH neutro (pH = 7,00).

 

Geralmente também, quando as cargas eletronegativas dos solos não estão sendo neutralizadas por bases (cátions como Ca2+, Mg2+, K+ e Na+), estão sendo por prótons H30+ ou Al3+, sendo então V uma ferramenta interessante para medir-se de fertilidade química do solo, pois em outras palavras indica a proporção de algo que seria bom em relação ao todo. Não em vão que se considera a presença abundante de minhocas em um dado solo é um bom indicador de fertilidade do mesmo, pois estes anelídeos são em geral bastante exigentes em nutrientes como Ca, Mg e P.

 

A fertilidade física envolve principalmente as propriedades de porosidade, estruturação, agregação e consistência dos solos.

 

Solos muito coesos, por exemplo, dificultam ou até mesmo inibem o aprofundamento do sistema radicular de algumas espécies vegetais, e com isso elas exploram uma camada reduzida de solo, limitando assim sua aquisição de água e nutrientes.

 

As plantas são também dependentes de aeração no sistema radicular proporcionada pela porosidade, que por sua vez é uma expressão das características de agregação e estruturação do solo.

 

Agregação do solo é a união das partículas primárias dos solos (areia, silte e argila) formando complexos que de certa forma imitam as propriedades das partículas de tamanho maior, por exemplo, um solo bastante argiloso, mas bem agregado, onde predominam agregados de argila em dimensões de grãos de areia, é um solo bastante poroso e permeável em relação a um solo com a mesma porcentagem de argila mas com a agregação incipiente. A razão disso é que as partículas maiores (grãos de areia ou agregados de argila) encaixam-se umas nas outras de maneira menos rente do que partículas menores (argilas simplesmente) encaixam-se entre si, resultando em poros maiores ao longo dos solos.

 

O micro influencia no macro, os agregados menores influenciando na forma dos agregados maiores que por sua vez influenciam na estruturação do solo. Se um solo é pouco agregado e bastante argiloso, e se as partículas de argilas estão bem organizadas (leia-se orientadas no mesmo sentido) encaixando-se bem entre si, o solo tende a ser bastante coeso quando seco, daqueles que não se consegue quebrar os torrões usando as mãos, e com poucas raízes vistas ao longo da profundidade.

 

A partir daqui falaremos de fertilidade natural e fertilidade construída.

quarta-feira, 8 de abril de 2009

As fertilidades dos solos I

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Existem várias maneiras de se falar sobre a fertilidade do solo, algumas vezes até de forma contrastante, como a fertilidade química do solo vs. a fertilidade física, e a fertilidade natural vs. a fertilidade construída.

Dividi o assunto em três posts, este inicial como uma introdução de conceitos afim de se chegar nos dois próximos.

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As mulheres por muitas ocasiões ao longo da história da humanidade foram como símbolos de fertilidade. Podemos citar a deusa Deméter na mitologia grega e, sua correspondente da mitologia romana, Ceres (a qual empresta o nome ao termo cereal) como exemplos desta associação na antiguidade. Recorrendo à etimologia da palavra fertilidade veremos que esta faz alusão à capacidade de gerar vida. 

Difícil definir, leia-se limitar (relembrando palavras do polêmico escritor irlandês Oscar Wilde...), o que vem a ser um solo fértil. Um solo pode ser fértil para determinadas espécies e concomitantemente não para outras, pois esta característica depende não somente dos constituintes dos solos, bem como das propriedades resultantes das combinações destas, mas também das características intrínsecas dos seres vivos. 

De certa forma o nível crítico (NiCri) de nutrientes em um determinado solo para uma determinada espécie vegetal (geralmente os trabalhos na literatura são para espécies de utilização agrícola) ajuda a dar uma idéia disso. Notem que temos muitas variáveis fixadas, espécie de planta (o que poderia estender-se para clones, e cultivares da espécie), nutriente e determinado solo de determinada localidade. Os NiCri são estimados a partir de ensaios com doses crescentes de nutrientes adicionados ao solo. 

Usualmente o conceito de nível crítico, apesar do que o nome “crítico” possa aparentar, é uma medida do que seria algo tido como bom, ou suficiente, para proporcionar um desenvolvimento satisfatório, em outras palavras, é o teor mínimo de um dado nutriente em um dado solo a partir do qual uma dada planta consegue desenvolver-se satisfatoriamente.

 Insisto em usar satisfatoriamente e não algo como adequadamente porque acho que a segunda condição é quase que utópica, pois mesmo em lavouras que geram produtos com relativos alto valor agregado, com o algodão, é praticamente inviável se adicionar a quantidade de adubo que proporcione a cultura atingir seu potencial agronômico de produção máxima. Então trabalhamos no ótimo econômico, pois em uma atividade agrícola o importante não é exibir produtividades recordes a qualquer custo, mas sim ter lucro, sem esquecer da sustentabilidade. Usualmente, considera-se que a produtividade de máximo econômico fica em torno de 90 % da produtividade potencial agronômica.

 Voltando ao NiCri... Com exemplos acho que fica mais fácil entender, se temos uma planta A, cujo NiCri de P no solo é de 10 mg/dm3 (considerando um extrator em específico, usualmente o Melich 1), e uma planta B com NiCri de P para o mesmo solo de 20 mg/dm3, mas este solo apresentou na análise um teor de 15 mg/dm3 de P, conclui-se que, em termos de nutriente P, este solo é mais fértil para a planta A do que para a planta B. 

Podemos também entender como um solo fértil, um solo em que organismos do sistema tenham condições de completar seus ciclos vitais. 

Entendamos como “organismos do sistema” como algo, por exemplo, desde uma vegetação de capoeira alastrando-se sobre uma pastagem degradada, até uma lavoura de algodão altamente produtiva, que exige muitos recursos prontamente disponíveis, incluindo nutrientes minerais (N, P, K, Ca, Mg, S, Fe, Zn, Cu, Mn, B, Cl, Mo e Ni). 

Tentei com os exemplos acima ilustrar dois extremos, uma formação vegetal com espécies vegetais altamente adaptadas para aproveitarem da melhor maneira os poucos recursos disponíveis no solo, que de modo menos acelerado, porém mais sustentável para a dada condição, vai colonizando a superfície do solo degradado (p. ex., que teve seus recursos nutricionais relativamente exauridos, seja por exploração agrícola intensa ou pela não adoção de práticas conservacionistas do solo, o que acarretou em perdas de solo fértil por erosão) num momento inicial, construindo paulatinamente as condições para que a ciclagem biogeoquímica de nutrientes no solo atinja certo nível que permita sua colonização por espécies vegetais menos “rústicas”, por assim dizer. 

Agora uma lavoura de algodão altamente produtiva, que é mais exigente quanto a disponibilidade de nutrientes no solo do que as espécies que compõem a supracitada capoeira, pois cresce de forma acelerada e com muita “fome” para expressar todo seu potencial genético de alta produtividade. No geral, as variedades agrícolas melhoradas para serem mais produtivas e ou resistentes às doenças, não carregam os genes de melhor extração ou de eficiência em aproveitamento de nutrientes do solo, então elas geralmente produzem às custas de adubações pesadas. 

Uma boa medida de eficiência em utilização dos nutrientes disponíveis no solo por parte das plantas de uma maneira geral, não somente agrícolas, é o coeficiente de utilização biológica (CUB). 

Por exemplo, se uma cultivar de soja possui um CUB de 200 kg de grãos de soja (a 13 % de umidade) para cada kg de P efetivamente absorvido ela é mais eficiente em utilizar o P do que outra cultivar que tem um CUB de 150 kg de grãos de soja produzidos (também fixando os 13 % de umidade) para cada kg de P absorvido.


domingo, 5 de abril de 2009

Apresentação

Edafologia (edapho do grego “solo”, em um sentido que resgata o aspecto de substrato para seres vivos) e Pedologia (pedos do grego “solo” também, porém, agora com o significado mais voltado para o componente do meio físico) são partes da Ciência do solo.


A edafologia trata do estudo da influência dos solos nos seres vivos, em especial das plantas, incluindo o uso da terra pelo homem, e a pedologia é a ciência que trata da origem/formação, distribuição espacial, mapeamento e classificação dos solos, ou seja, o estudo dos solos em seu habitat.


Porém, como o cientista do solo Nyle C. Brady (Cornell University) colocou em seu livro THE NATURE AND PROPERTIES OF SOILS, embora a edafologia e a pedologia muitas vezes sejam tratadas com distinção entre elas, em um dado momento elas se sobrepõem, pois o entendimento das características dos solos é de fundamental importância para compreensão do modus vivendi dos organismos, e por sua vez, os seres vivos são extremamente influentes nos aspectos relacionados à formação/alteração das características dos solos, então é o solo como especial componente ecológico dos sistemas, em diversos níveis de antropização.


A preocupação com esta Interface (edafologia x pedologia) tem sido cada vez maior, muito nítida, por exemplo, em trabalhos de levantamentos de solos como subsídio às implantações agrícolas (em agricultura de ponta) e como subsídios também aos planos de manejos de parques ou de outros tipos de áreas de preservação de recursos naturais, pois temos os solos como grandes estratificadores dos ecossistemas.


Com base ao relatório pedológico podemos, por exemplo, melhor planejar o tipo de exploração que uma determinada área se presta, bem como qual o nível de uso de recurso financeiro necessário para a implantação e condução de uma dada cultura agrícola.


O conhecimento sobre “edafologia aplicada”, a ciência da Fertilidade dos Solos propriamente dita, também é de crucial importância para os diagnósticos das aptidões agrícolas e ambientais dos solos.


Bom, a finalidade deste blog é explanar sobre essas interfaces, e espero que todos tirem um bom proveito deste.