sábado, 25 de julho de 2009

"Cidadezinha Qualquer" - relação solo-cotidiano


“Casas entre bananeiras
mulheres entre laranjeiras
pomar amor cantar

Um homem vai devagar.
Um cachorro vai devagar.
Um burro vai devagar.

Devagar . . . as janelas se olham.

Eta vida besta, meu Deus.”

(Cidadezinha Qualquer- Carlos Drummond de Andrade).


Faz muito tempo que eu ando pensando neste assunto, anotando mentalmente algumas idéias para postar agora (admito que numa altura dessa muitas já esqueci), e este post é sobre as diferentes características de solos influenciando no cotidiano das pessoas, bem como do ambiente no qual se insere.


Bom, talvez estejam se perguntando o porquê da citação do poema de Carlos Drummond de Andrade, então eu peço um pouco de calma que a gente chega lá.


Carlos Drummond de Andrade é um poeta brasileiro modernista, que além de poesias produziu muitas crônicas, livros infantis e contos, um das características de suas obras é a evocação de sua terra natal (“a saudade da pátria imaginária”), no caso, o município mineiro de Itabira.


Itabira localiza-se a cerca de 100 km de Belo Horizonte, e a principal atividade econômica do município é a extração de minério de ferro.


O município insere-se na região do Quadrilátero Ferrífero, onde a natureza por milhões de anos tratou de concentrar o elemento Fe em detrimento da riqueza de outros elementos químicos.


O minério é extraído a partir de rochas como o itabirito (foto abaixo), e este tipo de rocha, bem como algumas outras também bastante ricas em Fe, é o principal material de origem dos solos da região. Algo que já escrevi em “Habitats de orquídeas no Quadrilátero Ferrífero 1/2” .


Sendo os solos formados a partir do intemperismo (físico e químico) das rochas ao longo do tempo, sob influência direta de clima e organismos vivos, no geral, solos jovens (pouco profundos) desenvolvidos de rochas ricas em nutrientes como o granito, tendem a serem férteis quimicamente, inclusive, muitas vezes nas regiões semi-áridas encontramos até solos salinos desenvolvidos de granito, e a tendência é que no desenvolvimento do mesmo ele vá se tornando cada vez mais pobre pela perda gradual de nutrientes, em decorrência da lavagem e remoção gradual de seus sais. No entanto, o inverso não ocorre, solos jovens que já nascem pobres, não ficam ricos, e vegetação se sustenta pela ciclagem biogeoquímica de nutrientes.


Assim os solos da região do Quadrilátero são predominantemente pobres em elementos nutrientes às plantas, como Ca, P, Mg e K (que estão dentre os mais requeridos pelos seres vivos), o que se deve pelo fato do próprio material de origem já ser pobre, porém ricos em Fe e alguns outros metais pesados.


O Quadrilátero é uma das regiões brasileiras cujo histórico de ocupação é dos mais antigos, o que se deu devido ao ciclo do ouro por volta do século XVII, e evidentemente essa exploração se deu a partir de nenhuma prática conservacionista e medidas mitigadoras dos impactos ambientais, e as cicatrizes dessa atividade pretérita, e não raro acompanhada dos vestígios das atividades mais recentes, ainda vemos nas encostas erodidas ao longo da paisagem do Quadrilátero.

Devido aos solos de difícil manejo, a região tem baixíssima aptidão para o uso agrícola, muitas vezes dificultando até mesmo a “agricultura de fundo de quintal”, no entanto, existem algumas exceções de áreas relativamente melhores para atividades agrícolas.


Itabira é um dos municípios mais antigos do Quadrilátero, leia-se onde impactos antrópicos existem já há mais tempo, e foi neste cenário de baixa velocidade de restauração natural que Carlos Drummond de Andrade cresceu.


Ambientes recém desmatados que sejam ricos em nutrientes minerais possuem mais energia, mais confusão, um verdadeiro caos até se estabilizar na medida em que a sucessão ecológica se desenvolve, até atingir a situação clímax (no auge da biodiversidade), relativamente mais equilibradas. (Sugestão: “Nesta mata tem orquídea?”).


Em regiões de pobreza química como o Quadrilátero as coisas tendem a acontecerem mais devagar, a atividade microbiana é mais lenta, as plantas crescem menos e em um ritmo mais lento, e demoram mais para cobrirem a superfície de um solo exposto, e há menos animais porque não tem “pasto” o suficiente.


Imagino que mesmo que para aqueles que não pensam o tempo todo em “solos” algo relacionado ao ritmo do cenário seja percebido, penso também que o ritmo de certa forma contagiante do Quadrilátero Ferrífero tenha inspirado Carlos Drummond de Andrade.

"Alguns anos vivi em Itabira/Principalmente nasci em Itabira/Por isso sou triste, orgulhoso: de ferro/Noventa por cento ferro nas calçadas/Oitenta por cento ferro nas almas...". (trecho de Confidência do Itabirano - Carlos Drummond de Andrade).


Talvez esta percepção seja oriunda dos nossos instintos, como já disse Darwin: “penso que o homem apesar de suas nobres virtudes, inegavelmente ainda guarda resquícios de sua humilde origem”, algo como um alerta: “aqui vão mais devagar”. Penso que Darwin tenha sido irônico ao fazer esta afirmação ao ser alvo de deboche pela comunidade científica na época em que expôs suas idéias, mas vale o recado.


E como nossa principal vantagem evolutiva diante aos outros animais “da savana” é o nosso “polegar opositor”, imagino que um sinal de que “o polegar” ultrapassa a média é esta capacidade de melhor observar fatos e tirar conclusões, e ainda mais abstrair-se a partir dessas, indo além, como os poemas do nossa poeta gênio já muito citado neste post.


Tem um tempo que escrevi o post “Arte, ciência, ecologia e orquidofilia”, onde manifesto minha opinião a respeito das interfaces artes (de quaisquer espécie) com ciência:


“...Algumas manifestações artísticas do gênio humano perduram não só décadas mas também séculos, tais como as pinturas de da Vinci, Michelangelo e Rafael, músicas de Beethoven, Chopin, Mozart e Ravel, teatros de Shakespeare, e textos de Cervantes e Camões.


Ambas manifestações artísticas são harmoniosas aos sentidos dos apreciadores que, de maneira consciente ou não, reconhecem nelas algumas relações com as leis da natureza que regem o Universo.


Um bom exemplo de como a ciência se bem empregada pode gerar coisas que são não somente úteis, como também belas de serem vistas, é o polímata renascentista Leonardo da Vinci que estudando a anatomia dos olhos humanos, órgãos que lhe proporcionavam peculiar admiração (“os olhos são as janelas da alma”- da Vinci), e sendo impulsionado a buscar esclarecimentos também nos princípios da física ótica para entender melhor o funcionamento destes, o que proporcionou que não só desenvolvesse protótipos de alguns modelos de telescópios e microscópios que temos hoje em dia, como também, provavelmente, foi determinante para que o mesmo pintasse obras de arte com criteriosas combinações dos nuances de luminosidade dispersa ou incidente nos objetos que compunham os cenários, criando assim, obras de arte com componentes harmoniosamente dosados e agradáveis de serem vistos. Teria ele tido o dom pelas artes ajudado pelo uso de critérios interdisciplinares cientificamente embasados? Existe essa coisa de "dom" ou tudo é uma questão, consciente ou não, de preparo?


Gosto de pensar que Leonardo da Vinci não nasceu predestinado a ser o Leonardo da Vinci, o ambiente no qual viveu e ele o fizeram Leonardo da Vinci. Sua curiosidade nata e determinação em conseguir explicações, aliada às oportunidades, fizeram dele um gênio, tido como o primeiro cientista moderno cerca de 500 anos atrás. Suas pinturas talvez tenham sido válvulas de escape de seu vasto conhecimento contido em um órgão de certa forma limitado, seu cérebro humano, que precisava aliviar-se sob o risco de "explodir" no sentido de o deixar maluco, inquieto, sufocado... ("Gênio é 1 % inspiração e 99 % transpiração"-Thomas Edson)...”


Algumas sugestões, sobre Carlos Drummond de Andrade:

-http://www.carlosdrummond.com.br/;

-http://www.almirdefreitas.com/almir/Carlos_Drummond_de_Andrade.html;

-http://www.usinadeletras.com.br/exibelotexto.php?cod=1962&cat=Ensaios;

-http://www.culturabrasil.pro.br/cda.htm#itabirano.

sábado, 27 de junho de 2009

Breve resenha do artigo "A soil science renaissance"


Bastante conveniente e interessante o artigo entilulado "A soil science renaissance" publicado na revista Geoderma, e escrito por dois de seus editores chefes, relatando a atual tendência da sociedade enxergar a Ciência do Solo.

Os autores fazem analogia do contexto atual da Ciência do Solo com o Renascimento que tirou a Europa da Idade Média, iniciando uma nova fase de esclarecimento sobre o Universo, ressaltando ainda que as novas pesquisas desfrutam de metodologias até então inéditas, dando a entender que seus resultados proporcionarão algo semelhante à perspectiva de um Novo Mundo apresentado à sociedade européia a partir das grandes navegações, além das obras artísticas que são referências ao longo dos séculos.

Segundo os autores, este “Renascimento da Ciência do Solo” foi impulsionado pela crise advinda da diminuição de investimentos financeiros e institucionais que esta ciência vem sofrendo, continuamente fazendo com que cientistas do solo repensem sobre antigos paradigmas e busquem se adequar às novas necessidades da sociedade, esta que cada vez mais demanda conhecimento sobre o recurso solo.


O modelo clássico do passado em conduzir a Ciência do Solo era unicamente como subsídio técnico para atividades agrícolas, no entanto, a nítida tendência atual é que também a sociedade vem despertando para considerar o solo como um importante componente ambiental, uma vez que o número de publicações abordando de alguma forma a Ciência do Solo, assim como seus respectivos fatores de impacto, vem aumentando continuamente ao longo dos últimos anos e, os incrementos dos fatores de impacto de publicações que abordam o solo sob um contexto mais holístico apresentam tendências de serem maiores, em relação aos dos fatores de impacto das publicações que tratam o solo em uma ciência pura.

Atualmente, cerca de 84 % das publicações envolvendo Ciência do Solo são feitas em periódicos não exclusivamente especializados em Ciência do Solo, como as revistas Nature e Science.


terça-feira, 28 de abril de 2009

Enxurrada na calçada e preço de terras

Agora, após as intensas e frequentes chuvas do último verão, notamos as consequências dessas na erosão ao longo da paisagem.

 

A erosão é um processo de perda de solo que consiste basicamente em desagregação, transporte, remoção e acúmulo de constituintes dos solos.

 

Nas fotos abaixo estão visíveis os padrões de deposições diferenciadas de materiais de solos erodidos e transportadas até acumularem-se nesta baixada, onde os grãos de areia (faixa mais clara na borda) só foram transportados quando a enxurrada era mais forte. A areia é a constituinte da fração grosseira do solo, aqui no caso composta basicamente de mineral quartzo que é bastante denso (densidade 2,6 g/dm3) e, portanto é transportado somente por enxurradas mais fortes.

 

O material mais avermelhado é mais fino, é argiloso, e forma uma camada mais espessa, pois continuou a ser transportado e depositado mesmo quando as águas de enxurradas ficaram relativamente mais fracas. 












Por um lado penso a natureza  com uma “mania” um tanto quanto conservadora, pois retira os semelhantes de vários pontos e os agrupa em um outro local em comum, que seja mais estável energeticamente para os constituintes com propriedades semelhantes (densidade, por exemplo), é assim com as bacias sedimentares de um modo geral, bacias de acúmulo do passado de onde hoje extraímos rochas sedimentares como fosfatos naturais, calcários e rochas de onde se extraem o KCl utilizados como insumos na agricultura, além de petróleo e minério de ferro.

 

A seguir várias etapas do fendilhamento na superfície dos solos:

 

1- Pelo movimento browniano os colóides representados pelas argilas mais finas ficam em suspensão na poça d'água, e são esses colóides que aliados à matéria orgânicasão os constituintes mais ativos dos, ou seja, os constituintes com maiores cargas específicas (quantidade de carga por unidade de massa,  ou por unidade de volume) e conseqüentemente os grandes responsáveis pela CTC do solo. Dentro das poças mais profundas que são as últimas a secarem notamos a água bastante barrenta, devido à presença de argilas finas que se concentraram ali naquela água mais calma. É como que elas tivessem sido selecionadas para estarem ali:













2- Na medida em que as poças de água vão secando as camadas de água que separam os colóides vão diminuindo, e proporcionalmente os colóides vão ficando mais próximos e vão se encaixando melhor uns aos outros:












3-Quando já bem mais seco vemos o que se assemelha a raspas de chocolates em cima de bolos na confeitaria, devido à grande capacidade de contração e expansão dessas argilas mais ativas. Mais ativas porque são menores e com maior densidade de cargas elétricas nas suas superfícies:












Ainda as "raspas de chocolate" normalmente estão vergadas para cima, justamente pelo fato de ser a superfície exposta ao Sol que seca primeiro, ajuntando as argilas mais rentemente também primeiro, fazendo com que a superfície de cima fique com uma área menor do que a de baixo que no caso está mais úmida, ou seja, envergam-se para cima porque a superfície de cima contrai primeiro que a de baixo. No caso das fotos acima havia uma espessa camada de argila abaixo da superfície fendilhada, mas quando a poça de acúmulo é mais rasa é possível notar as camadas, em uma espécie de micro-estratiografia, onde a coisa começa com a areia grossa embaixo de tudo (a que chegou ali quando a água era mais forte), passando para areia média e areia fina, silte, argila e argila ainda mais fina mais na superfície, está última quando só resta uma poça.

 

 

Coisas deste tipo ajudam a entender o surgimento de cordilheiras como a Cordilheira do Espinhaço, quando Minas Gerais tinha praia, águas com forças para trazer uma imensa quantidade de areia acumulando-a. Agora transcrevo um trecho que já havia escrito no Orquidofilia e Orquidologia sobre a Serra do Cipó (Serra do Cipó I): 

 

"... Os amigos Elton e Ítalo Rocha (também do Geófagos) já postaram algo sobre a área em questão, para verem seus posts cliquem nos links: Gradientes de solo e vegetação nas partes elevadas da Serra do CipóEcologia de paisagens e a Serra do CipóPedologia, ciência histórica IIO caminho das plantas e Fui à praia.

 

A Serra do Cipó é a porção mais ao Sul da Cordilheira do Espinhaço, esta por sua vez se estende até o norte do Estado da Bahia. Na Cordilheira predominam os quartizitos, que são rochas de origem metamórfica, formadas "basicamente" pelo tratamento de altas pressões e altas temperaturas que os arenitos sofreram. E os arenitos por sua vez formaram-se a partir da cimentação dos grãos de areia. Costumo brincar que com mais "5 min geológicos" esses quartzitos seriam vidros, exageros a parte...

 

E a areia, da praia, como disse o Ítalo em seu post Fui à praia, muito provavelmente havia um mar ali, no Pré-cambriano, (período compreendido entre 4,5 bilhões e 540 milhões de anos atrás), ou ao menos cursos d'água com bastante força para ter transportado grãos de areia de quartzo que são minerais bastante densos.

 

Um mar formado a partir da formação de um rifte, que é o aprofundamento do terreno concomitante ao afastamento de suas bordas (grosso modo), o Rifte Espinhaço, a partir daí para este imenso rifte se transformar no destino principal das águas drenadas nas intermediações provavelmente foi um "pulo", de poucas eras geológicas.

 

Este afastamento seria devido ao tectonismo de placas, a América do Sul desprendendo e se distanciando do Continente Africano.

 

Quando os continentes se reencontraram, aquela imensa falha (zona frágil) foi espremida e soergueu, o que metaformizou os arenitos originando então os quartzitos, em um processo de milhões de anos. 

 

Já repararam que o Itatiaia, Serra do Brigadeiro e o Caparaó possuem uma tendência de se estenderem na direção Norte - Sul??? Coincidência?!..."














E ao sul do Espinhaço temos o Quadrilátero Ferrífero com litologia predominante de quartizito (como no Espinhaço) e de outras rochas de onde se extraem o ferro. Os minérios de ferro chegaram e acumularam ali por águas mais fracas, um ambiente mais lacustre, no qual basicamente as argilas (lamas) são movimentadas, e secando a água essas argilas se acumularam na "poça".

 

Bom, coisas deste tipo também explicam o sucesso da agricultura do Egito Antigo no Delta do Rio Nilo (Baixo Rio Nilo), e não no Alto Rio Nilo ou Médio Rio Nilo, ou seja, justamente onde era mais largo e a superfície de acúmulo para as argilas finas e mais reativas contendo mais nutrientes minerais aderidos às suas superfícies era maior, com isso a área agricutável também era maior. A erosão levou pro Nilo e o Nilo acumulou na baixada, onde era mais largo e por isso a vasão do rio ficava mais diluída, mais fraca, tornando propício o acúmulo de maios proporção de argila ali.

 

Abaixo foto tirada em Barra do Guaicuí, Guaicuí/MG, onde o Rio das Velhas encontra o Rio São Francisco, repare como a água é mais calma e, na superfície de solo exposto na sua margem, o fendilhamento por causa das argilas trazidas até ali por águas calmas: 




Agora um trecho do "Velho Chico" na cidade de Pirapora/MG e Buritizeiro/MG (é só atravessar a ponte de uma à outra). "Pirapora" no tupi quer dizer "salto de peixe", pois era o que mais se via na época de piracema nas cachoeiras deste trecho do Rio São Francisco de águas agitadas. Neste trecho do rio formam-se extensas praias de areia grossa na época da seca ao longo de suas margens:




Pirapora/MG não dista 20 km de Guaicuí/MG, e moral da história: os solos da beirada deste trecho do Rio São Francisco são menos férteis justamente pela maior presença de areia trazida pelas águas do "rio mais forte", por isso a priori suas terras seriam mais baratas do que as das margens dos Rio das Velhas, que está a menos de 20 km dali. 

 

Outra moral da história: regiões próximas, solos diferentes, vegetação de mata ciliar diferente, biodiversidade diferente... Eu aposto no ambiente de solos menos férteis como que, ao menos antes da intensa antropização, como tendo maior diversidade e endemismo de espécies, porque penso que são nesses ambientes que o potencial genético dos indivíduos é mais cobrado, e eles ficam mais especializados, e também é onde os impactos ambientais decorrentes das atividades humanas são maiores, porque o ritmo da natureza ali é mais devagar, e sua capacidade de restauração também (algo escrito clicando aqui).

segunda-feira, 20 de abril de 2009

Cerâmicas de Itaobim/MG

Durante uma das viagens da disciplina de Pedogeomorfologia, ministrada à pós-graduação (mestrado e doutorado) pelo professor Carlos Schaefer, do Departamento de Solos da UFV, percorremos um bom trecho do Vale do Jequitinhonha, Nordeste do Estado de Minas Gerais. Região esta com um clima predominante de semi-árido.


É a região  mais pobre de Minas Gerais, caracterizando-se pelo baixo desenvolvimento econômico e social. Dentre as 12 mesorregiôes de Minas Gerais, a do Vale do Jequitinhonha é a de menor IDH, 2º menor PIB e a 4ª maior em área, aliada a isso uma relativa baixa densidade populacional, nexte contexto há muitos trechos sem asfaltamento, tendo sido uma experiência memorável percorrer quase 100 km de estreda de terra, no auge da seca na região, mês de novembro, em um microônibus com os vidros fechados por causa da poeira de argila fina (daquelas que mais impreguinam) - E como me dá saudades disso!!!


Por um trecho ao longo da estrada notou-se vegetação de Caatinga em solos naturalmente mais férteis, desenvolvidos de clorita-xisto, vegetação de carrasco sobre solos desenvolvidos de arenitos, bem como Matas Secas (fitofisionomia do Bioma Mata Atlântica) onde o solo era naturalmente menos fértil (Latossolos em especial).


Este post é sobre uma das questões que o prof. colocou na prova: "18 - Comente sobre sua percepção da parada que fizemos para comprar a cerâmica em Itaobim.(máximo 10 linhas)". - Nessas disciplinas em que são abordados muitos aspectos, muitas interfaces, é de se entender o lado do prof. em delimitar a quantidade de linhas para que não saiam "livros", ajudando a manter a objetividade do texto.


Parte de minha resposta: "Escolhi objetos que considerei mais característicos da região, para levar de lembrança. A atividade ceramista artesanal é de grande importância econômica na região, onde quando chove se pratica agricultura de subsistência, e na estiagem não resta muita opção. A cerâmica não foi muito bem assada, o que é de certo modo vantajoso, pois devido a dificuldade de desidratação das faces das caulinitas, argilas estas predominantes nos Planossolos e Gleissolos dos quais se extraem o barro para a cerâmica na região, precisaria consumir mais lenha de Caatinga para que a cerâmica qpresente-se com um aspecto mais vitrificado. Fiz um teste e verifiquei que a cerâmica realmente absorve muita água, então tem muitos poros, ficando muito tempo desprendendo bolhas de ar quando submersas".


Caulinita é um mineral de argila silicatada, predominantemente ocorrendo em uma forma de placa, placas estas que quando se encaixam face a face (mineral de caulinita a mineral de caulinita) a massa de solo em si apresenta-se bastante coesa, e quanto mais rentes e alinhadas as placas de caulinita é mais difícil (necessário mais força) para retirar a água ou os íons que ficam entre elas.


Hoje, depois de um ano da aquisição de alguns objetos, no dia a dia e no vai e vem das mudanças e arrumação de casa, é nítido o que teria sido óbvio na época do questionário, mas me esqueci de comentar que os trincamentos e/ou quebras nestas são necessariamente nas regiões mais escuras, com maior proporção de matéria orgânica, pontualmente enfraquecendo ainda mais a cerâmica.


Empiricamente certa sensibilidade a respeito das propriedades dos solos vem sendo transmitida desde tempos remotos, um bom exemplo desta é o trabalho do oleiro que, antes de dar a forma desejada aos objetos, usualmente deixa o barro recém coletado “descansar” por um determinado tempo sob insolação direta e, após isso, inicia um trabalho de amassar repetidamente o material argiloso com as mãos, antes de dar a forma final a este. 


O primeiro tratamento faz com que haja a respiração da matéria orgânica do solo pela sua exposição prolongada à atmosfera oxidante e à radiação solar, o segundo tratamento por sua vez serve para estabelecer um nível de organização maior entre as unidades de argilas aluminossilicatas, permitindo um melhor ajuste face a face dos minerais. Ambas medidas aumentam a coesão do material de solo a fim de se obter cerâmicas mais resistentes e com superfícies mais lisas, ou seja, com um melhor acabamento.


Abaixo, fotos de cerâmicas sendo comercializadas na margem de um trecho da BR-116, no perímetro urbano de Itaobim/MG:














E agora, o pôr do Sol da região, "amostra coletada" em Araçuaí/MG: 


sábado, 11 de abril de 2009

Uma conversa de nerds...

No início deste ano tive o prazer de desfrutar da companhia de dois amigos, Elton e Ítalo do Geófagos, em um almoço na propriedade do sogro de um deles, na zona rural de Guaraciaba/MG, Zona da Mata de Minas Gerais.


Como não poderia ser diferente fomos andar pela área, ver uns barrancos, geoformas no horizonte, o máximo possível de detalhes da vegetação e da biota de uma maneira geral.

O Ítalo nos chamou a atenção para uma caixa d'água antiga, de uns 30 anos de construída, feita de alvenaria, onde hoje à sua volta é um cultivo de eucalipto.

O Ítalo comenta "já virou solo!" apontando para para algumas evidências.

"Olha o intemperismo físico aqui!" - alguém apontando para um vegetal superior desenvolvendo-se em uma fresta:

O intemperismo físico consiste basicamente na quebra de um corpo maior em vários outros relativamente menores, uma rocha rolando morro abaixo e se desmanchando em vários pedaços menores no chão, por exemplo, ou ainda uma rocha fraturando-se com o auxílio da pressão radicular de um vegetal superior cuja semente germina e a planta inicialmente desenvolvem-se em uma fratura menor que tenha um mínimo de solo ali já formado.


Quanto menor um corpo maior é a superfície específica deste (área/massa, ou área/volume), e são nas superfícies onde as reações químicas do intemperismo químico acontecem, cujo princípio básico é a alteração de um mineral de rocha ou de solo formados sob condições pretéritas em outros minerais que estejam mais equilibrados, ou estáveis, para as novas condições ambientais que se encontram. 



Talvez seja a hidrólise dos minerais a principal reação de intemperismo químico que ocorra na superfície do planeta, esta muito ajudada pelos ácidos orgânicos advindos da biota, seja por meio de exudação radicular de substâncias pelas plantas ainda vivas, ou pela decomposição de um finado ser vivo ou de parte dele.


Abaixo temos fotos de briófitas utilizando o reboco de cimento já bastante alterado como substrato, formando algo como um milimétrico horizonte A na interface cimento-briófitas:

A caixa d'água de alvenaria como um todo sendo o material de origem de um solo, em uma escala bastante reduzida é verdade, mas temos uma verdadeira sucessão ecológica mesmo que em um "nanocosmos" deste, onde formas de vida mais primitivas vão alterando o meio físico e gradualmente proporcionando condições para que formas de vida mais complexas gradualmente se instalem.


Abaixo foto de biofilme de cianobactérias, seres estes muitas vezes fixadores de N atmosférico, o que incorpora N absorvível pelas plantas no sistema, e dadas suas características de sobreviverem em condições muitas vezes adversas para a maioria das demais formas de vida são bastantes empregados em projetos de Recuperação de Áreas Degradadas em países como o Japão:

Térmitas, considerados engenheiros dos ecossistemas por muitos pedólogos, habitando a estrutura, construindo canais e contribuindo para que cada vez mais esta se pareça com um montículo homogêneo de solo:


Redução do ferro III pela atividade microbiana que em condições de saturação de água (anaerobiose) utilizam este elemento como aceptor final de elétrons, e posterior exportação deste metal já em uma forma (a reduzida forma ferro II),  tal como acontece em solos de baixadas das paisagens, como Gleissolos, o que no caso torna os tijolos ainda mais frágeis e decomponíveis:



O fechamento da conversa foram várias dúvidas, uma delas em especial:


 - "Se aqui em Guaraciaba/MG com menos de 30 anos em uma área antropizada esta caixa d’água de alvenaria já está neste grau de alteração, teriam os vestígios de cidades com edificações mais complexas construídas por povos pré-colombianos que habitaram a Amazônia já virado solo?"


Como exemplo, Machu Pichu, a ‘cidade perdida dos incas, está a mais de 2000 m de altitude, com um clima bem mais adverso ao intemperismo que a Amazônia e Guaraciaba/MG, então mesmo considerando que foi praticamente toda construída de rocha maciça, a biota desenvolve-se mais lentamente ali.


 Abaixo uma foto do aspecto de vegetação nativa tomando conta da cidade quando ela em 1911 foi descoberta pela expedição de Hiram Bingham, e mais abaixo foto do aspecto que possui hoje (respectivamente copiadas daqui e daqui):