quinta-feira, 9 de dezembro de 2010

Experiência na Antártica - primeira parte (Chile, esboço de relação solos-vegetação no sopé do Volcán Antuco)

Participei da OPERANTAR XVIII - operação antártica de 2009/2010 do Programa Antártico Brasileiro (PROANTAR), e pretendo ao longo deste e dos próximos posts dar uma idéia de como foi a a ida e a estadia por lá, bem como do tipo de trabalho que desenvolvemos.

Fui como pesquisador, parte do meu doutorado está sendo lá, participante do  Núcleo de Pesquisas Antárticas da Universidade Federal de Viçosa (TERRANTAR), este coordenado pelo professor Carlos E. G. E. Schaefer do Departamento de Solos.

Existem vários outros projetos brasileiros de pesquisas na Antártica, relacionados à arqueologia, climatologia, glaciologia, ornitologia, dentre outros, o nosso projeto é relacionado aos ecossistemas terrestres e envolve especialmente gênese e mapeamento dos solos na Antártica Marítima, bem como estudos relacionados à interação entre solos, vegetais e microrganismos.

Muito comum encontrar publicações se referindo ao Continente Antártico como "terra dos superlativos", pois é o continente mais frio, mais inóspito, com maior média de altitude, com maiores médias de velocidades de ventos, mais desconhecido... 

Possivelmente, é também o continente mais sensível às interferências antrópicas e às mudanças climáticas globais (não necessariamente ambas são correlacionadas), o que justifica o constante monitoramento de seus vários ecossistemas por meio das pesquisas científicas desenvolvidas lá, onde cada input ou output de substâncias e de grau celsius é determinante para a ocorrência de vários processos, biológicos ou não.


Existem várias estações de pesquisas ao longo do continente, o Brasil possui uma, a Estação Antártica Brasileira Comandante Ferraz (EACF), situada na Ilha Rei George, Arquipélogo Shetland do Sul, na Antártica Marítima.


Partimos de Viçosa/MG para Belo Horizonte/MG onde pegamos vôo para o aeroporto internacional de São Paulo/SP, e de lá para Santiago de Chile, depois vôo para Conception e fomos de van para Talcahuano, também no Chile, onde o navio Navio Polar Almirante Maximiano, o H-41 da Marinha do Brasil, estava atracado para reparos, e foi com ele que chegamos na Antártica.


NPo Almirante Maximiano atracado em Talcahuano, Chile.
Leão-marinho e NPo Almirante Maximiano atracado em Talcahuano, Chile,

Ficamos por algum tempo atracados em Talcahuano, o que permitiu explorar e conhecer um pouco dessa parte do Chile, a Região ("Estado") de Biobío.


Região muito bonita, muito interessante e com povo bastante amistoso. Fui com mais quatro colegas para a cidade de Antuco, para conhecer o famoso Volcán Antuco no Parque Nacional Laguna del Laja, já próximo da fronteira com a Argentina.


Chegando em Antuco.
Da estrada vista do Volcán Antuco, face norte.


Antuco na língua dos ameríndios mapuches, que estão dentre os primeiros habitantes dali, significa algo como "água do Sol".


O Volcán Antuco é um vulcão jovem e ativo, suas atividades iniciaram no final do Pleistoceno (há poucos milhares de anos atrás), com uma violenta explosão dando origem ao Antuco 1, mais recentemente, já no Holoceno (menos de 11.000 anos) outras violentas explosões soterraram o antigo cráter ("boca" do vulcão) criando o atual que vocês estão vendo nas fotos, o Antuco 2. Reparem no seu formato cônico quase perfeito, demonstrando que ao longo do pouco tempo de sua existência não foi erodido o suficiente para diminuir em altura e ter seu cume aplainado.


Ivan, Cleverson e eu, ao fundo face norte do Volcán Antuco. 









Cume na face sul do Volcán Antuco ao fundo.















Algo interessante pode ser visto nas fotos acima, onde duas faces distintas do mesmo vulcão proporcionam um visual diferente. A face norte recebe mais energia do Sol ao longo do ano e, nesta época, no auge do verão - mês de janeiro, estava quase que completamente sem neve, já na face sul mais se via neve em relação aos sedimentos escuros que constituem a borda da cratera.


Na origem do Antuco 2 o Río de La Laja foi represado pelos materiais expelidos nas violentas explosões, formando assim um imenso lago no sopé do vulcão.

Trecho do lago formado pelo represamento do Río de La Laja.

Trecho do lago formado pelo represamento do Río de La Laja.






























O Volcán Antuco ganhou espaço na mídia há algum tempo, em 2005, com a chamada Tragédia de Antuco, quando 45 soldados chilenos morreram de frio marchando sobre uma intensa nevasca sob o comando de superiores negligentes, vê-se cruzes e placas de homenagens a esses ao longo das vias do parque no sopé do vulcão.


Parece que, basicamente, o comandante mandou os soldados marcharem sem roupas apropriadas para uma nevasca em curso, porém a nevasca ficou mais intensa, a T diminuiu e os soldados não suportaram. A meu ver este é um ótimo exemplo de que quem ocupa os cargos de chefia não necessariamente é o mais competente, ou é competente, para isso, e que não se deve seguir segamente as ordens que nos são dadas, algumas vezes o nosso sucesso ou a nossa sobrevivência pode depender da nossa própria análise ,já que o posto e/ou o status não necessariamente dizem algo, porque o QI ("quem indica") é que aloca boa parte dos indivíduos na maior parte das chefias da nossa sociedade, o que se dá em detrimento do mérito, e pode ter consequências drásticas.


Homenagens às vítimas da Tragédia de Antuco no sopé do vulcão.


Algo muito bonito e que também chama bastante atenção no parque é a Sierra Velluda.




Ao fundo Sierra Velluda, no Parque Nacional Laguna del Laja, Chile.

Sierra Velluda e uma das nascentes do Río de La Laja.
















































Quanto à vegetação, nas bordas do parque ou em alguns trechos dentro com grande estabilidade de terreno, e de menores estresses hídricos por causa de solos mais desenvolvidos, que retem mais água, ocorrem as florestas, nos trechos de maior aridez e onde aparentemente os substratos são mais estáveis (não o suficiente para floresta) e mais finos (com maior potencial de retenção de água) desenvolvem-se espécies de pequeno porte, essas de ciclo de vida perene ou bianual, nas áreas onde os distúrbios são mais intensos a estratégia melhor é ter ciclo de vida curto e ser de pequeno porte, assim dominam as herbáceas anuais.


Geralmente indivíduos da família Crassulaceae, ou de outras famílias bastante próximas, ocorrem sozinhos e espaçados, colonizando substratos mais grosseiros, ambientes de grande estresse hídrico e luminoso. Uma adaptação crucial para este grupo de plantas estabelecerem-se nessas condições é seu metabolismo fotossintético do tipo metabolismo ácido das crassuláceas (MAC ou CAM), que permite grande economia de água as custas de limitada produção de biomassa, geralmente ocorrendo onde somente elas conseguem sobreviver, assim, não tendo que competirem por luz com outras plantas que crescem bem mais rápido e atingem portes mais avantajados.

Crassulácea tolerando estresse hídrico e luminoso no sopé do Volcán Antuco.

Fragmentos de tufos vulcânicos na granulometria que predomina na maior parte da área no sopé do Volcán Antuco.































Asteraceas bianuais dominam áreas relativamente mais deturpadas (superfícies instáveis) do que as florestas e as crassulaceas, áreas de substratos constituídos de sedimentos mais finos, porém ainda em menor proporção aos sedimentos mais grosseiros, portanto, há ainda grande estresse hídrico, ervas de outras famílias ocupam ambientes similares, inclusive fendas de rochas que conferem alguma proteção às raízes, mas limitam o crescimento. 


Como em qualquer ambiente estressante a vegetação tende a formar ilhas, uma espécie de sinergismo entre cada indivíduo vegetal formando microclimas menos estressantes e substratos mais ricos em matérias orgânicas, ao mesmo tempo que as espécies são zoneadas em cada ilha, as de porte maior, portanto melhores competidoras por luz, ficam mais confortáveis no centro das ilhas, e as menos competitivas, as menores, nas bordas.
Ilhas de vegetação em ambiente deturpado e estressante no sopé do Volcán Antuco.
Asteraceas nas fendas de rochas vulcânicas ígneas.
As ervas como gramíneas e pequenos arbustos anuais já dominam o vales associado aos corpos d'água, vi nas margens da própria Laguna del Laja e também nas margens de um dos afluentes que formam o Río de La Laja, ambientes menos estressantes em termos hídricos, porém, com inevitáveis e intensos distúrbios anuais devido às inundações.

Riacho formado pelo degelo na superfície do Volcán Antuco e da Sierra Velluda.
Vale onde passa o riacho formado pelo degelo na superfície do Volcán Antuco e da Sierra Velluda.

Abaixo uma amostra do cenário dos Saltos del Laja, no meio do caminho entre Tacahuano e Antuco.
Saltos del Laja, Río de La Laja


Saltos del Laja, Río de La Laja.
Saltos del Laja, Río de La Laja.
COmércio em Saltos del Laja, Río de La Laja.
Talcauhano, Saltos del Laja e Antuco.
 Bom, alguns dias depois deste passeio em Antuco zarpamos rumo à Antártica, passando pelos belos canais chilenos:
Vista dos canais chilenos pela janela do passadiço do Npo Almirante Maximiano.

Vista dos canais chilenos
Vista dos canais chilenos.

Depois de cerca de 3 dias pelos canais chilenos chegamos na simpática Puerto Williams, o vilarelo mais meridional do planeta:
Vista de Puerto Williams a partir de seu porto.
 Ficamos atracados no porto de Puerto Williams por um dia até um ciclone no sul do Pacífico se dissipar, e em seguida seguimos em linha reta para Antártica, passando pela temida Passagem do Drake, um dos trechos marítimos mais temidos do mundo, dadas suas condições metereológicas predominantemente adversas, fica na junção do Atlântico Sul com o Pacífico Sul. Famosa inclusive por causar grandes sustos e destruições de embarcações.


Felizmente o Drake estava calmo, suas águas eram um verdadeiro espelho e a travessia que poderia durar 8 dias durou menos de 4.
Entardecer na Passagem do Drake e proa do NPo Almirante Maximiano.

Passagem do Drake vista pela popa do NPo Almirante Maximiano, petréis sobrevoando as águas agitadas pela hélice do navio.
 Já mais próximo da Antártica os primeiros icebergs foram surgindo, cenário extremamente novo para mim e outros colegas.
Próximo da Antártica passando pelos primeiros icebergs.
 E já quase de noite chegamos na Antártica. 
Ilha Rei George, Antártica.
Pernoitamos em frente à EACF, abaixo foto dela ao longe, logo ao amanhecer:
EACF vista do NPo Almirante Maximiano.

Continua...

sábado, 25 de julho de 2009

"Cidadezinha Qualquer" - relação solo-cotidiano


“Casas entre bananeiras
mulheres entre laranjeiras
pomar amor cantar

Um homem vai devagar.
Um cachorro vai devagar.
Um burro vai devagar.

Devagar . . . as janelas se olham.

Eta vida besta, meu Deus.”

(Cidadezinha Qualquer- Carlos Drummond de Andrade).


Faz muito tempo que eu ando pensando neste assunto, anotando mentalmente algumas idéias para postar agora (admito que numa altura dessa muitas já esqueci), e este post é sobre as diferentes características de solos influenciando no cotidiano das pessoas, bem como do ambiente no qual se insere.


Bom, talvez estejam se perguntando o porquê da citação do poema de Carlos Drummond de Andrade, então eu peço um pouco de calma que a gente chega lá.


Carlos Drummond de Andrade é um poeta brasileiro modernista, que além de poesias produziu muitas crônicas, livros infantis e contos, um das características de suas obras é a evocação de sua terra natal (“a saudade da pátria imaginária”), no caso, o município mineiro de Itabira.


Itabira localiza-se a cerca de 100 km de Belo Horizonte, e a principal atividade econômica do município é a extração de minério de ferro.


O município insere-se na região do Quadrilátero Ferrífero, onde a natureza por milhões de anos tratou de concentrar o elemento Fe em detrimento da riqueza de outros elementos químicos.


O minério é extraído a partir de rochas como o itabirito (foto abaixo), e este tipo de rocha, bem como algumas outras também bastante ricas em Fe, é o principal material de origem dos solos da região. Algo que já escrevi em “Habitats de orquídeas no Quadrilátero Ferrífero 1/2” .


Sendo os solos formados a partir do intemperismo (físico e químico) das rochas ao longo do tempo, sob influência direta de clima e organismos vivos, no geral, solos jovens (pouco profundos) desenvolvidos de rochas ricas em nutrientes como o granito, tendem a serem férteis quimicamente, inclusive, muitas vezes nas regiões semi-áridas encontramos até solos salinos desenvolvidos de granito, e a tendência é que no desenvolvimento do mesmo ele vá se tornando cada vez mais pobre pela perda gradual de nutrientes, em decorrência da lavagem e remoção gradual de seus sais. No entanto, o inverso não ocorre, solos jovens que já nascem pobres, não ficam ricos, e vegetação se sustenta pela ciclagem biogeoquímica de nutrientes.


Assim os solos da região do Quadrilátero são predominantemente pobres em elementos nutrientes às plantas, como Ca, P, Mg e K (que estão dentre os mais requeridos pelos seres vivos), o que se deve pelo fato do próprio material de origem já ser pobre, porém ricos em Fe e alguns outros metais pesados.


O Quadrilátero é uma das regiões brasileiras cujo histórico de ocupação é dos mais antigos, o que se deu devido ao ciclo do ouro por volta do século XVII, e evidentemente essa exploração se deu a partir de nenhuma prática conservacionista e medidas mitigadoras dos impactos ambientais, e as cicatrizes dessa atividade pretérita, e não raro acompanhada dos vestígios das atividades mais recentes, ainda vemos nas encostas erodidas ao longo da paisagem do Quadrilátero.

Devido aos solos de difícil manejo, a região tem baixíssima aptidão para o uso agrícola, muitas vezes dificultando até mesmo a “agricultura de fundo de quintal”, no entanto, existem algumas exceções de áreas relativamente melhores para atividades agrícolas.


Itabira é um dos municípios mais antigos do Quadrilátero, leia-se onde impactos antrópicos existem já há mais tempo, e foi neste cenário de baixa velocidade de restauração natural que Carlos Drummond de Andrade cresceu.


Ambientes recém desmatados que sejam ricos em nutrientes minerais possuem mais energia, mais confusão, um verdadeiro caos até se estabilizar na medida em que a sucessão ecológica se desenvolve, até atingir a situação clímax (no auge da biodiversidade), relativamente mais equilibradas. (Sugestão: “Nesta mata tem orquídea?”).


Em regiões de pobreza química como o Quadrilátero as coisas tendem a acontecerem mais devagar, a atividade microbiana é mais lenta, as plantas crescem menos e em um ritmo mais lento, e demoram mais para cobrirem a superfície de um solo exposto, e há menos animais porque não tem “pasto” o suficiente.


Imagino que mesmo que para aqueles que não pensam o tempo todo em “solos” algo relacionado ao ritmo do cenário seja percebido, penso também que o ritmo de certa forma contagiante do Quadrilátero Ferrífero tenha inspirado Carlos Drummond de Andrade.

"Alguns anos vivi em Itabira/Principalmente nasci em Itabira/Por isso sou triste, orgulhoso: de ferro/Noventa por cento ferro nas calçadas/Oitenta por cento ferro nas almas...". (trecho de Confidência do Itabirano - Carlos Drummond de Andrade).


Talvez esta percepção seja oriunda dos nossos instintos, como já disse Darwin: “penso que o homem apesar de suas nobres virtudes, inegavelmente ainda guarda resquícios de sua humilde origem”, algo como um alerta: “aqui vão mais devagar”. Penso que Darwin tenha sido irônico ao fazer esta afirmação ao ser alvo de deboche pela comunidade científica na época em que expôs suas idéias, mas vale o recado.


E como nossa principal vantagem evolutiva diante aos outros animais “da savana” é o nosso “polegar opositor”, imagino que um sinal de que “o polegar” ultrapassa a média é esta capacidade de melhor observar fatos e tirar conclusões, e ainda mais abstrair-se a partir dessas, indo além, como os poemas do nossa poeta gênio já muito citado neste post.


Tem um tempo que escrevi o post “Arte, ciência, ecologia e orquidofilia”, onde manifesto minha opinião a respeito das interfaces artes (de quaisquer espécie) com ciência:


“...Algumas manifestações artísticas do gênio humano perduram não só décadas mas também séculos, tais como as pinturas de da Vinci, Michelangelo e Rafael, músicas de Beethoven, Chopin, Mozart e Ravel, teatros de Shakespeare, e textos de Cervantes e Camões.


Ambas manifestações artísticas são harmoniosas aos sentidos dos apreciadores que, de maneira consciente ou não, reconhecem nelas algumas relações com as leis da natureza que regem o Universo.


Um bom exemplo de como a ciência se bem empregada pode gerar coisas que são não somente úteis, como também belas de serem vistas, é o polímata renascentista Leonardo da Vinci que estudando a anatomia dos olhos humanos, órgãos que lhe proporcionavam peculiar admiração (“os olhos são as janelas da alma”- da Vinci), e sendo impulsionado a buscar esclarecimentos também nos princípios da física ótica para entender melhor o funcionamento destes, o que proporcionou que não só desenvolvesse protótipos de alguns modelos de telescópios e microscópios que temos hoje em dia, como também, provavelmente, foi determinante para que o mesmo pintasse obras de arte com criteriosas combinações dos nuances de luminosidade dispersa ou incidente nos objetos que compunham os cenários, criando assim, obras de arte com componentes harmoniosamente dosados e agradáveis de serem vistos. Teria ele tido o dom pelas artes ajudado pelo uso de critérios interdisciplinares cientificamente embasados? Existe essa coisa de "dom" ou tudo é uma questão, consciente ou não, de preparo?


Gosto de pensar que Leonardo da Vinci não nasceu predestinado a ser o Leonardo da Vinci, o ambiente no qual viveu e ele o fizeram Leonardo da Vinci. Sua curiosidade nata e determinação em conseguir explicações, aliada às oportunidades, fizeram dele um gênio, tido como o primeiro cientista moderno cerca de 500 anos atrás. Suas pinturas talvez tenham sido válvulas de escape de seu vasto conhecimento contido em um órgão de certa forma limitado, seu cérebro humano, que precisava aliviar-se sob o risco de "explodir" no sentido de o deixar maluco, inquieto, sufocado... ("Gênio é 1 % inspiração e 99 % transpiração"-Thomas Edson)...”


Algumas sugestões, sobre Carlos Drummond de Andrade:

-http://www.carlosdrummond.com.br/;

-http://www.almirdefreitas.com/almir/Carlos_Drummond_de_Andrade.html;

-http://www.usinadeletras.com.br/exibelotexto.php?cod=1962&cat=Ensaios;

-http://www.culturabrasil.pro.br/cda.htm#itabirano.

sábado, 27 de junho de 2009

Breve resenha do artigo "A soil science renaissance"


Bastante conveniente e interessante o artigo entilulado "A soil science renaissance" publicado na revista Geoderma, e escrito por dois de seus editores chefes, relatando a atual tendência da sociedade enxergar a Ciência do Solo.

Os autores fazem analogia do contexto atual da Ciência do Solo com o Renascimento que tirou a Europa da Idade Média, iniciando uma nova fase de esclarecimento sobre o Universo, ressaltando ainda que as novas pesquisas desfrutam de metodologias até então inéditas, dando a entender que seus resultados proporcionarão algo semelhante à perspectiva de um Novo Mundo apresentado à sociedade européia a partir das grandes navegações, além das obras artísticas que são referências ao longo dos séculos.

Segundo os autores, este “Renascimento da Ciência do Solo” foi impulsionado pela crise advinda da diminuição de investimentos financeiros e institucionais que esta ciência vem sofrendo, continuamente fazendo com que cientistas do solo repensem sobre antigos paradigmas e busquem se adequar às novas necessidades da sociedade, esta que cada vez mais demanda conhecimento sobre o recurso solo.


O modelo clássico do passado em conduzir a Ciência do Solo era unicamente como subsídio técnico para atividades agrícolas, no entanto, a nítida tendência atual é que também a sociedade vem despertando para considerar o solo como um importante componente ambiental, uma vez que o número de publicações abordando de alguma forma a Ciência do Solo, assim como seus respectivos fatores de impacto, vem aumentando continuamente ao longo dos últimos anos e, os incrementos dos fatores de impacto de publicações que abordam o solo sob um contexto mais holístico apresentam tendências de serem maiores, em relação aos dos fatores de impacto das publicações que tratam o solo em uma ciência pura.

Atualmente, cerca de 84 % das publicações envolvendo Ciência do Solo são feitas em periódicos não exclusivamente especializados em Ciência do Solo, como as revistas Nature e Science.


terça-feira, 28 de abril de 2009

Enxurrada na calçada e preço de terras

Agora, após as intensas e frequentes chuvas do último verão, notamos as consequências dessas na erosão ao longo da paisagem.

 

A erosão é um processo de perda de solo que consiste basicamente em desagregação, transporte, remoção e acúmulo de constituintes dos solos.

 

Nas fotos abaixo estão visíveis os padrões de deposições diferenciadas de materiais de solos erodidos e transportadas até acumularem-se nesta baixada, onde os grãos de areia (faixa mais clara na borda) só foram transportados quando a enxurrada era mais forte. A areia é a constituinte da fração grosseira do solo, aqui no caso composta basicamente de mineral quartzo que é bastante denso (densidade 2,6 g/dm3) e, portanto é transportado somente por enxurradas mais fortes.

 

O material mais avermelhado é mais fino, é argiloso, e forma uma camada mais espessa, pois continuou a ser transportado e depositado mesmo quando as águas de enxurradas ficaram relativamente mais fracas. 












Por um lado penso a natureza  com uma “mania” um tanto quanto conservadora, pois retira os semelhantes de vários pontos e os agrupa em um outro local em comum, que seja mais estável energeticamente para os constituintes com propriedades semelhantes (densidade, por exemplo), é assim com as bacias sedimentares de um modo geral, bacias de acúmulo do passado de onde hoje extraímos rochas sedimentares como fosfatos naturais, calcários e rochas de onde se extraem o KCl utilizados como insumos na agricultura, além de petróleo e minério de ferro.

 

A seguir várias etapas do fendilhamento na superfície dos solos:

 

1- Pelo movimento browniano os colóides representados pelas argilas mais finas ficam em suspensão na poça d'água, e são esses colóides que aliados à matéria orgânicasão os constituintes mais ativos dos, ou seja, os constituintes com maiores cargas específicas (quantidade de carga por unidade de massa,  ou por unidade de volume) e conseqüentemente os grandes responsáveis pela CTC do solo. Dentro das poças mais profundas que são as últimas a secarem notamos a água bastante barrenta, devido à presença de argilas finas que se concentraram ali naquela água mais calma. É como que elas tivessem sido selecionadas para estarem ali:













2- Na medida em que as poças de água vão secando as camadas de água que separam os colóides vão diminuindo, e proporcionalmente os colóides vão ficando mais próximos e vão se encaixando melhor uns aos outros:












3-Quando já bem mais seco vemos o que se assemelha a raspas de chocolates em cima de bolos na confeitaria, devido à grande capacidade de contração e expansão dessas argilas mais ativas. Mais ativas porque são menores e com maior densidade de cargas elétricas nas suas superfícies:












Ainda as "raspas de chocolate" normalmente estão vergadas para cima, justamente pelo fato de ser a superfície exposta ao Sol que seca primeiro, ajuntando as argilas mais rentemente também primeiro, fazendo com que a superfície de cima fique com uma área menor do que a de baixo que no caso está mais úmida, ou seja, envergam-se para cima porque a superfície de cima contrai primeiro que a de baixo. No caso das fotos acima havia uma espessa camada de argila abaixo da superfície fendilhada, mas quando a poça de acúmulo é mais rasa é possível notar as camadas, em uma espécie de micro-estratiografia, onde a coisa começa com a areia grossa embaixo de tudo (a que chegou ali quando a água era mais forte), passando para areia média e areia fina, silte, argila e argila ainda mais fina mais na superfície, está última quando só resta uma poça.

 

 

Coisas deste tipo ajudam a entender o surgimento de cordilheiras como a Cordilheira do Espinhaço, quando Minas Gerais tinha praia, águas com forças para trazer uma imensa quantidade de areia acumulando-a. Agora transcrevo um trecho que já havia escrito no Orquidofilia e Orquidologia sobre a Serra do Cipó (Serra do Cipó I): 

 

"... Os amigos Elton e Ítalo Rocha (também do Geófagos) já postaram algo sobre a área em questão, para verem seus posts cliquem nos links: Gradientes de solo e vegetação nas partes elevadas da Serra do CipóEcologia de paisagens e a Serra do CipóPedologia, ciência histórica IIO caminho das plantas e Fui à praia.

 

A Serra do Cipó é a porção mais ao Sul da Cordilheira do Espinhaço, esta por sua vez se estende até o norte do Estado da Bahia. Na Cordilheira predominam os quartizitos, que são rochas de origem metamórfica, formadas "basicamente" pelo tratamento de altas pressões e altas temperaturas que os arenitos sofreram. E os arenitos por sua vez formaram-se a partir da cimentação dos grãos de areia. Costumo brincar que com mais "5 min geológicos" esses quartzitos seriam vidros, exageros a parte...

 

E a areia, da praia, como disse o Ítalo em seu post Fui à praia, muito provavelmente havia um mar ali, no Pré-cambriano, (período compreendido entre 4,5 bilhões e 540 milhões de anos atrás), ou ao menos cursos d'água com bastante força para ter transportado grãos de areia de quartzo que são minerais bastante densos.

 

Um mar formado a partir da formação de um rifte, que é o aprofundamento do terreno concomitante ao afastamento de suas bordas (grosso modo), o Rifte Espinhaço, a partir daí para este imenso rifte se transformar no destino principal das águas drenadas nas intermediações provavelmente foi um "pulo", de poucas eras geológicas.

 

Este afastamento seria devido ao tectonismo de placas, a América do Sul desprendendo e se distanciando do Continente Africano.

 

Quando os continentes se reencontraram, aquela imensa falha (zona frágil) foi espremida e soergueu, o que metaformizou os arenitos originando então os quartzitos, em um processo de milhões de anos. 

 

Já repararam que o Itatiaia, Serra do Brigadeiro e o Caparaó possuem uma tendência de se estenderem na direção Norte - Sul??? Coincidência?!..."














E ao sul do Espinhaço temos o Quadrilátero Ferrífero com litologia predominante de quartizito (como no Espinhaço) e de outras rochas de onde se extraem o ferro. Os minérios de ferro chegaram e acumularam ali por águas mais fracas, um ambiente mais lacustre, no qual basicamente as argilas (lamas) são movimentadas, e secando a água essas argilas se acumularam na "poça".

 

Bom, coisas deste tipo também explicam o sucesso da agricultura do Egito Antigo no Delta do Rio Nilo (Baixo Rio Nilo), e não no Alto Rio Nilo ou Médio Rio Nilo, ou seja, justamente onde era mais largo e a superfície de acúmulo para as argilas finas e mais reativas contendo mais nutrientes minerais aderidos às suas superfícies era maior, com isso a área agricutável também era maior. A erosão levou pro Nilo e o Nilo acumulou na baixada, onde era mais largo e por isso a vasão do rio ficava mais diluída, mais fraca, tornando propício o acúmulo de maios proporção de argila ali.

 

Abaixo foto tirada em Barra do Guaicuí, Guaicuí/MG, onde o Rio das Velhas encontra o Rio São Francisco, repare como a água é mais calma e, na superfície de solo exposto na sua margem, o fendilhamento por causa das argilas trazidas até ali por águas calmas: 




Agora um trecho do "Velho Chico" na cidade de Pirapora/MG e Buritizeiro/MG (é só atravessar a ponte de uma à outra). "Pirapora" no tupi quer dizer "salto de peixe", pois era o que mais se via na época de piracema nas cachoeiras deste trecho do Rio São Francisco de águas agitadas. Neste trecho do rio formam-se extensas praias de areia grossa na época da seca ao longo de suas margens:




Pirapora/MG não dista 20 km de Guaicuí/MG, e moral da história: os solos da beirada deste trecho do Rio São Francisco são menos férteis justamente pela maior presença de areia trazida pelas águas do "rio mais forte", por isso a priori suas terras seriam mais baratas do que as das margens dos Rio das Velhas, que está a menos de 20 km dali. 

 

Outra moral da história: regiões próximas, solos diferentes, vegetação de mata ciliar diferente, biodiversidade diferente... Eu aposto no ambiente de solos menos férteis como que, ao menos antes da intensa antropização, como tendo maior diversidade e endemismo de espécies, porque penso que são nesses ambientes que o potencial genético dos indivíduos é mais cobrado, e eles ficam mais especializados, e também é onde os impactos ambientais decorrentes das atividades humanas são maiores, porque o ritmo da natureza ali é mais devagar, e sua capacidade de restauração também (algo escrito clicando aqui).